domingo, maio 08, 2005

Blair não inventou a pólvora

Caro Gonçalo e caro Francisco,

Blair não inventou nada de novo. Aliás, Blair recuou na história do pensamento liberal. Deixou o consenso do pós-guerra, baseado no divino Keynes e estabeleceu-se nos primeiros autores do chamado “social liberalism”, nomeadamente T.H. Green.

Grosso modo, podemos dividir o liberalismo em três grandes fases.
1- século XVIII: liberalismo clássico (Madison, Hume, Smith e até Burke)
2- século XIX: utilitarismo (Bentham e os Mill)
3- século XX: social liberalism (Keynes, Rawls)

Como é que nasce o social liberalism? Em meu entender, parte da ética de Bentham. Bentham não colocou em causa as estruturas do governo liberal, mas criou algo mais perigoso: uma nova ética. Uma ética materialista, que fundia moral com economia (algo que Rousseau também já tinha feito). A ética utilitarista afirma que o bem é “prazer”e o mal a “dor”. Tudo deve ser feito para dar prazer. Prazer material, entenda-se. A longo prazo, a ética de Bentham subverteu o estado liberal (aliás, continua a subverter. As massas de hoje continuam a ser benthamianas; aliás, a "ética" da "esquerda caviar" é benthamina. Não se espantem. Keynes viu, e bem, em Bentham uma clara influência de Marx).

“Se tudo se resume a isso, então, o estado deve dar condições para que o indivíduo possa ter prazer” – foi este o raciocínio de T.H. Green (final do XIX). É este o raciocínio de Blair. Green ainda não pensava em termos de massas anónimas (classe), mas em termos de indivíduos. Blair faz isso: deixou as massas (welfare state) e concentra-se no desenvolvimento do indivíduo (workfare state).

Quando o líder da “direita” europeia é um “social liberal” moderado, está tudo dito sobre o ar do tempo que vivemos.

Um abraço,
Henrique Raposo

3 Comments:

Blogger Joao Galamba said...

Caro Henrique,

Não está muito claro, mas não está a sugerir que a posição de Rawls se baseia no Utilitarismo, pois não?
É que uma das motivações de Rawls é a de combater o utilitarismo e recorrer a uma espécie de Kantianismo (embora muitos Kantianos dirão que ele de Kant tem muito pouco)
Também não percebo porque é que põe Keynes e Rawls no mesmo saco. Posso estar enganado, mas não me parece que o Keynes tivesse algo semelhante (ou que a sua motiação fosse essa) a uma teoria da justiça.
O Isiah Berlin -que tanta gente gosta de citar com com o liberdade é liberdade, não é igualdade...- era um admirador do New Deal e do Welfare State, onde é que o coloca?
Abraços,
Joao

1:36 da tarde  
Blogger Joao Galamba said...

Só mais uma coisa. Dizer que a ética de esquerda é benthamiana também me parece excessivo.

1:41 da tarde  
Blogger Joao Galamba said...

e podemos dizer que foi Hume (e o seu empirismo) que tornou possível o utilitarismo.

É que estas divisões parecem indicar uma espécie -peço desculpa se interpretei mal- uma espécie de pureza decrescente em que é sugerido que o liberalismo (o Verdadeiro Liberalismo) veio sempre a perder.
O Rawls fez uma coisa (atenção que eu não sou Rawlsiano) que foi tentar reconciliar liberdade e igualdade usando um conceito que não existia na época do tal liberalismo clássico: o de cidadão (isto no Political Liberalism é claro).

1:46 da tarde  

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