A Noite
O-Zone
O que significa sair à noite? Quando era puto, sair à noite significava ir jogar à bola para um campo iluminado até ser hora de ir para a cama. Mas com a idade também o conceito de “sair à noite” evoluiu. Hoje, sair à noite, não se reporta apenas ao acto de ultrapassar a porta de casa. Sair à noite significa ultrapassar várias portas: a de casa, a do café, a do bar, a da discoteca e , com muita sorte, a de casa alheia.
Visto de Marte, o fenómeno de “sair à noite” não deixa de ser a realidade asséptica de um conjunto de pessoas que se encontra, sem prévio acordo, num espaço fechado para dançar. Mas, com a distância, Marte perde muitas nuances.
A Noite é, sociologicamente, um momento atípico que comporta a sua própria linguagem e um estado de espírito, irrepetíveis no dia a dia comum.
Bares e cafés à parte, ir ao clube (a palavra “discoteca” entretanto juntou-se a “danceteria” e “boite” no elenco de expressões definitivamente out) é um conceito engraçado que envolve uma imediata predisposição para dançar, para ser sociável e ter imensa pinta.
Dentro de um clube todo o acto assume novas proporções: abraçamos um amigo que vimos de manhã no semáforo como se ele tivesse estado 18 anos desaparecido em combate ou fumamos como que daí a 5 minutos fossemos apanhar um no-smoking flight para a Tailândia. Tudo é efusivo e obrigatoriamente divertido. Mas, curiosamente, antes se assumir esse fervor momentâneo tem de se passar o teste da compostura perante o porteiro.
Na sua típica ausência de pescoço e fato escuro, o porteiro é uma personagem curiosa que separa as águas.
O noctívago mancebo assume a posição subalterna num diálogo por todos conhecido e que começa sempre com as familiares palavras: “Boa noite, são quantos?”. O diálogo é rápido e envolve sempre o olhar do mancebo no peito do porteiro e olhar do porteiro fixo numa qualquer realidade metafísica situada algures bem acima da cabeça do mancebo. Segue-se ora a troca de dinheiro por papelinhos coloridos, ora o humilhante “hoje é impossível” e o mancebo parte numa solitária viagem introspectiva cheia de interrogações e afirmações como: “terá sido dos ténis?” ou “para a próxima, camisa para dentro”.
Longe do mancebo está o cliente habitual. Com ele toda uma nova mímica emerge perante o porteiro. No meio de um amontoado de cabeças expectantes levanta-se uma mão, segue-se o aceno correspondido. A progressão entre a horda curiosa é altiva e triunfante (requisito obrigatório), para logo se passar ao aperto de mão ou ao beijinho (para as senhoras) em glória, seguido de um piscar de olho (opcional). Este aperto de mão não é um gesto de amizade ou de reconhecimento. Na vida diurna as senhoras não dão beijinhos às caixas do Pingo Doce e os senhores não apertam a mão ao senhor da papelaria que nos vende o jornal. O aperto de mão não envolve qualquer conversa de circunstância como “Então, parece que o Miguel vai para a Juventus?!”, é um mero ritual de passagem. A mesma afinidade para com o porteiro transcorre, igualmente, para a linguagem.
Um regular da noite nunca se refere ao DJ como “este gajo”, pelo contrário, fala sempre do “Leite” ou do “Tó” que “passa alta som”. É curioso porque no carro bato os nós dos dedos no volante ao som de 50 cent. na Comercial ou das oldies do RCP, em casa ouço “Kind a Blue” do Miles, mas na noite tenho ouvir o narcisismo digitalizado do “Tó”. Nos EUA, quando um gajo sai à noite ouve o Snoop Dog pimping it com “drop it like its hot”, o Justin ou a Missy Elliot e entra no espírito. Em Portugal temos de suportar os 53 LPs que o “Tó” trouxe do Ministry of Sound de Londres, com as Destiny’s Child remasterizadas pelo DJ Sammy.
Por isso é que o português é um cromo a dançar. A sua tão conhecida técnica de dança (torso inferior a dar toques com a bola; torço superior a jogar Frisbee), não é inata, mas produto da sua profunda incompreensão perante a superioridade artística do “Tó” em manga cava. Os mais precavidos, como eu, limitam-se a gritar ao ouvido de alguém: “Então, parece que o Miguel vai para a Juventus?!”.
Visto de Marte, o fenómeno de “sair à noite” não deixa de ser a realidade asséptica de um conjunto de pessoas que se encontra, sem prévio acordo, num espaço fechado para dançar. Mas, com a distância, Marte perde muitas nuances.
A Noite é, sociologicamente, um momento atípico que comporta a sua própria linguagem e um estado de espírito, irrepetíveis no dia a dia comum.
Bares e cafés à parte, ir ao clube (a palavra “discoteca” entretanto juntou-se a “danceteria” e “boite” no elenco de expressões definitivamente out) é um conceito engraçado que envolve uma imediata predisposição para dançar, para ser sociável e ter imensa pinta.
Dentro de um clube todo o acto assume novas proporções: abraçamos um amigo que vimos de manhã no semáforo como se ele tivesse estado 18 anos desaparecido em combate ou fumamos como que daí a 5 minutos fossemos apanhar um no-smoking flight para a Tailândia. Tudo é efusivo e obrigatoriamente divertido. Mas, curiosamente, antes se assumir esse fervor momentâneo tem de se passar o teste da compostura perante o porteiro.
Na sua típica ausência de pescoço e fato escuro, o porteiro é uma personagem curiosa que separa as águas.
O noctívago mancebo assume a posição subalterna num diálogo por todos conhecido e que começa sempre com as familiares palavras: “Boa noite, são quantos?”. O diálogo é rápido e envolve sempre o olhar do mancebo no peito do porteiro e olhar do porteiro fixo numa qualquer realidade metafísica situada algures bem acima da cabeça do mancebo. Segue-se ora a troca de dinheiro por papelinhos coloridos, ora o humilhante “hoje é impossível” e o mancebo parte numa solitária viagem introspectiva cheia de interrogações e afirmações como: “terá sido dos ténis?” ou “para a próxima, camisa para dentro”.
Longe do mancebo está o cliente habitual. Com ele toda uma nova mímica emerge perante o porteiro. No meio de um amontoado de cabeças expectantes levanta-se uma mão, segue-se o aceno correspondido. A progressão entre a horda curiosa é altiva e triunfante (requisito obrigatório), para logo se passar ao aperto de mão ou ao beijinho (para as senhoras) em glória, seguido de um piscar de olho (opcional). Este aperto de mão não é um gesto de amizade ou de reconhecimento. Na vida diurna as senhoras não dão beijinhos às caixas do Pingo Doce e os senhores não apertam a mão ao senhor da papelaria que nos vende o jornal. O aperto de mão não envolve qualquer conversa de circunstância como “Então, parece que o Miguel vai para a Juventus?!”, é um mero ritual de passagem. A mesma afinidade para com o porteiro transcorre, igualmente, para a linguagem.
Um regular da noite nunca se refere ao DJ como “este gajo”, pelo contrário, fala sempre do “Leite” ou do “Tó” que “passa alta som”. É curioso porque no carro bato os nós dos dedos no volante ao som de 50 cent. na Comercial ou das oldies do RCP, em casa ouço “Kind a Blue” do Miles, mas na noite tenho ouvir o narcisismo digitalizado do “Tó”. Nos EUA, quando um gajo sai à noite ouve o Snoop Dog pimping it com “drop it like its hot”, o Justin ou a Missy Elliot e entra no espírito. Em Portugal temos de suportar os 53 LPs que o “Tó” trouxe do Ministry of Sound de Londres, com as Destiny’s Child remasterizadas pelo DJ Sammy.
Por isso é que o português é um cromo a dançar. A sua tão conhecida técnica de dança (torso inferior a dar toques com a bola; torço superior a jogar Frisbee), não é inata, mas produto da sua profunda incompreensão perante a superioridade artística do “Tó” em manga cava. Os mais precavidos, como eu, limitam-se a gritar ao ouvido de alguém: “Então, parece que o Miguel vai para a Juventus?!”.
2 Comments:
A descrição está perfeita, embora eu procure actualizar o meu leque de danças e esteja preparado para o que mais houver que aparecer.
Ainda assim, este post é o pretexto ideal para começar a pensar numa boa festa 80's, com a presença de alguns velhos ícones (se o Eládio não for, não vale a pena).
Um abraço
a.
"torso inferior a dar toques com a bola e torço superior a jogar Frisbee", muito bom! Nem mais.
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