Revolução Constitucional?
Gosto particularmente de ler Rui Ramos. A sua presença dentro de uma nova geração académica abre boas perspectivas para o futuro e a sua dialéctica discursiva é uma das melhores fontes para inspirar um debate sério e elevado. Ultimamente, por necessidade e gosto, tenho lido bastante da sua obra e fico sempre com a impressão que Rui Ramos poderá receber parte da herança historiográfica “revisionista” que remonta a Vasco Pulido Valente. Ainda assim todo o argumento é passível de contra-argumentação e o seu artigo de dia 17 no Portugal Diário (via O Acidental) é um bom exemplo.
Rui Ramos subentende a existência de uma estratégia de longo curso na dissolução parlamentar de Dezembro de 2004 que terá aberto um precedente infra- constitucional letal para o futuro. O autor não o afirma peremptoriamente mas pressente-se, nas suas palavras, uma intenção tácita de Jorge Sampaio em, estrategicamente, esperar pelo momento certo para a dissolução. Mas o cerne do seu argumento não está nas motivações para a dissolução, mas no precedente que esta abre: “para derrubar um governo, tinha sido destruída uma tradição constitucional”.
Esta “revolução constitucional” dará o mote para a intersecção entre influências de poderes e actos eleitorais. Na sua lógica, aberto o precedente, o acto eleitoral de Domingo último só será legitimado em função da futura escolha de um Presidente da República e o ciclo será vicioso. No entanto, o seu discurso parte de pressupostos e de paralelismos demasiado ténues. Qualquer pessoa que tenha acompanhado a curta vida da presente legislatura não poderá aceitar tacitamente uma equiparação entre esta e o antagonismo pessoal entre Mário Soares e Cavaco Silva. Há demasiados factores aleatórios para este ser um argumento válido (inexistência de coligação governamental; mandato sólido e uníssono de Cavaco Silva; estabilidade orçamental e vitalidade da sua política económica; etc). Da mesma forma o autor não poderá assentar o seu argumento numa quebra de pressupostos constitucionais.
Rui Ramos pretende um regresso subentendido aos moldes constitucionais britânicos onde um texto constitucional exaspera da sólida compilação escrita para uma prática jurisprudente ou juspositivista historicista. Esta lógica pressuponha que a Constituição da República Portuguesa assumisse uma forma parcial e consuetudinária de Magna Carta ou, mais em particular, de Conventions of the Constitution na sua regulamentação do diálogo de poderes. Este não é o caso e no sistema político português não se escutam os ecos de Burke ou de Bolingbroke, da mesma forma que uma dissolução parlamentar nunca poderá representar “uma revolução constitucional” ou a destruição de uma tradição constitucional.
Apelar a tais probabilidades surge como a ponte necessária para suportar o argumento seguinte de que “o Presidente a eleger em 2006 poderá inspirar-se no precedente de Dezembro para interromper a legislatura” ou de que “as eleições legislativas, devido à decisão presidencial de 2006, estão, neste momento, reduzidas a uma primeira volta das presidenciais”. Rui Ramos é inteligente e consegue criar um argumento catch 22, de auto- justificação e de difícil contra-argumentação mas falhou pela sua aversão a moldes doutrinários marxistas: não escolheu uma fonte discursiva suficiente e solidamente dogmática. Fazer a prática constitucional portuguesa discorrer de “costumes e convenções” que ultrapassam a legalidade escrita é uma matriz demasiado instável e dúbia que esquece a realidade de um sistema de governo semi- presidencialista prospectivo, cujas fontes radicam nos exemplos constitucionais pós- fascistas de Itália e de Bona, longe do exemplo consuetudinário britânico.
Rui Ramos subentende a existência de uma estratégia de longo curso na dissolução parlamentar de Dezembro de 2004 que terá aberto um precedente infra- constitucional letal para o futuro. O autor não o afirma peremptoriamente mas pressente-se, nas suas palavras, uma intenção tácita de Jorge Sampaio em, estrategicamente, esperar pelo momento certo para a dissolução. Mas o cerne do seu argumento não está nas motivações para a dissolução, mas no precedente que esta abre: “para derrubar um governo, tinha sido destruída uma tradição constitucional”.
Esta “revolução constitucional” dará o mote para a intersecção entre influências de poderes e actos eleitorais. Na sua lógica, aberto o precedente, o acto eleitoral de Domingo último só será legitimado em função da futura escolha de um Presidente da República e o ciclo será vicioso. No entanto, o seu discurso parte de pressupostos e de paralelismos demasiado ténues. Qualquer pessoa que tenha acompanhado a curta vida da presente legislatura não poderá aceitar tacitamente uma equiparação entre esta e o antagonismo pessoal entre Mário Soares e Cavaco Silva. Há demasiados factores aleatórios para este ser um argumento válido (inexistência de coligação governamental; mandato sólido e uníssono de Cavaco Silva; estabilidade orçamental e vitalidade da sua política económica; etc). Da mesma forma o autor não poderá assentar o seu argumento numa quebra de pressupostos constitucionais.
Rui Ramos pretende um regresso subentendido aos moldes constitucionais britânicos onde um texto constitucional exaspera da sólida compilação escrita para uma prática jurisprudente ou juspositivista historicista. Esta lógica pressuponha que a Constituição da República Portuguesa assumisse uma forma parcial e consuetudinária de Magna Carta ou, mais em particular, de Conventions of the Constitution na sua regulamentação do diálogo de poderes. Este não é o caso e no sistema político português não se escutam os ecos de Burke ou de Bolingbroke, da mesma forma que uma dissolução parlamentar nunca poderá representar “uma revolução constitucional” ou a destruição de uma tradição constitucional.
Apelar a tais probabilidades surge como a ponte necessária para suportar o argumento seguinte de que “o Presidente a eleger em 2006 poderá inspirar-se no precedente de Dezembro para interromper a legislatura” ou de que “as eleições legislativas, devido à decisão presidencial de 2006, estão, neste momento, reduzidas a uma primeira volta das presidenciais”. Rui Ramos é inteligente e consegue criar um argumento catch 22, de auto- justificação e de difícil contra-argumentação mas falhou pela sua aversão a moldes doutrinários marxistas: não escolheu uma fonte discursiva suficiente e solidamente dogmática. Fazer a prática constitucional portuguesa discorrer de “costumes e convenções” que ultrapassam a legalidade escrita é uma matriz demasiado instável e dúbia que esquece a realidade de um sistema de governo semi- presidencialista prospectivo, cujas fontes radicam nos exemplos constitucionais pós- fascistas de Itália e de Bona, longe do exemplo consuetudinário britânico.
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