quinta-feira, abril 14, 2005

Pessimista ou Plural?

Alguém grita num colóquio: “mas Maquiavel era um pessimista e um autoritário”.

Os clichés, de facto, não morrem.

Resposta: Maquiavel era um pluralista.

O cliché diz que Maquiavel é o autor que inaugura o pessimismo antropológico. Seguindo Berlin e Skinner, preferimos dizer que Maquiavel abriu as portas ao pluralismo. Quando Maquiavel destruir a Cristandade como projecto político, destruiu uma concepção absoluta de HOMEM. Maquiavel é a primeira trave-mestra do pluralismo existente no Ocidente. Sem Maquiavel, Hobbes não seria Hobbes. Sem Hobbes, Locke não seria Locke. E sem Locke, os Iluminismos não teriam sido o que foram (o alemão – Kant; o francês – Voltaire; o americano – Madison; o escocês – Hume). Aquele senhor deu aquele grito anti-maquiavélico porque cresceu num ambiente intelectual criado, em grande medida, por Maquiavel. Paradoxo notável.

Por outro lado, Maquiavel recuperou a visão da antiguidade clássica: a “liberdade” e o “pluralismo” têm um preço: o conflito. A “unidade” e a “harmonia” têm outro preço: a tirania. Só há uma coisa a fazer: temos de escolher um dos lados. Maquiavel escolheu o primeiro. Ainda bem. O espírito maquiavélico é um dos grandes responsáveis pela destruição do mito da Cristandade. Das cinzas da Cristandade una, saiu o Ocidente plural.

Uma palavra final para os ditos optimistas antropológicos. Estes saem sempre impunes das asneiras que cometem. Criam uma utopia. A utopia massacra milhões. Não faz mal: cria-se outra utopia.
Por que razão as doutrinas ditas optimistas resultam sempre em massacres históricos? Porque têm uma única e maiúscula definição de HOMEM. O dito optimismo antropológico só pode existir se negar a pluralidade dos HOMENS. E se só há um HOMEM, então, só pode haver um Poder.