TURQUIA: o que é o Ocidente? Cultura ou Civilização?
Sobre o assunto Turquia, Francisco Dias Costa escreve aqui na caixa de comentários:
“Admito que em algumas das principais cidades, caso de Istambul ou Ankara, se note alguma semelhança com a Europa (possivelmente apenas uma pequena camada superficial e imposta), mas no grosso da população e dos costumes à muito pouco de europeu, e dificilmente existirá algo”
Caro Francisco,
1.Em primeiro lugar, obrigado pela extensão e delicadeza do comment. Estou habituado a uma espécie mais agressiva: o anónimo que vomita o seu ódio. E, como pode calcular, não gosto nada de servir de babete. Por isso, obrigado por cordialidade civilizada.
2.Vamos lá à Turquia. V. fala de costumes, de cultura, de tradição, dum “mundo diferente”. Bom, tenho-lhe a dizer que os costumes não devem interessar enquanto factor de decisão política. Pelo menos, neste caso. O que deve contar não é a Cultura mas a Instituição política, a Constituição, a Lei. O que me interessa é a Sociedade e não a Comunidade. O que deve ser vital é a Civilização e não a Cultura. O que é o Ocidente? O que deve representar a Europa? A meu ver, não deve representar nem a religião nem a dita cultura. A Europa, o Ocidente devem simbolizar a vigência das instituições da democracia representativa. Se a Turquia cumprir estes critérios político-institucionais, deve entrar na UE. Se Istambul respeitar o chamado estado de direito, então, é tão europeia como Portugal.
E a religião nunca deve contar. Em qualquer cenário, o cristianismo não deve pesar em decisões políticas. Se os europeus tiverem em linha de conta a Cruz, então, a Europa abrirá, em definitivo, as portas à Reacção. E, atenção, não estou a ser jacobino. Isto não é ódio à Igreja. É, isso sim, isolar os critérios políticos fundamentais do século XXI.
3. Onde acaba a Europa? Esta é uma pergunta que me causa arrepios. Como se um critério geográfico completamente arbitrário pudesse encobrir critérios políticos qualitativos. Como se um risco no mapa, desenhado para os mapas que temos nas escolas primários, pudesse pesar numa decisão geo-política e ideológica de primeira grandeza.
4. História? Uhh… Vejamos. Nunca fui à Turquia. Nunca fui à Finlândia. Agora, pergunto-lhe: em que país um algarvio ou um siciliano se sentiria mais à vontade? Aposto que a resposta seria a Turquia. Temos sangue e tradições árabe na nossa dita cultura. Desde os nomes (Algarve) até aos tomates. Aposto que não há tomates na Finlândia. (entenda-se tomates como a cultura agrícola do tomate, uma herança árabe).
5.História? O Império Otomano, durante a Idade Moderna, dava lições de tolerância aos estados europeus. Quando os judeus eram expulsos de cidades na Europa continental, encontravam refúgio em outras três grandes cidades europeias: Londres, Amesterdão e... Istambul.
Um abraço e, mais uma vez, muito obrigado pela cordialidade,
Henrique Raposo
“Admito que em algumas das principais cidades, caso de Istambul ou Ankara, se note alguma semelhança com a Europa (possivelmente apenas uma pequena camada superficial e imposta), mas no grosso da população e dos costumes à muito pouco de europeu, e dificilmente existirá algo”
Caro Francisco,
1.Em primeiro lugar, obrigado pela extensão e delicadeza do comment. Estou habituado a uma espécie mais agressiva: o anónimo que vomita o seu ódio. E, como pode calcular, não gosto nada de servir de babete. Por isso, obrigado por cordialidade civilizada.
2.Vamos lá à Turquia. V. fala de costumes, de cultura, de tradição, dum “mundo diferente”. Bom, tenho-lhe a dizer que os costumes não devem interessar enquanto factor de decisão política. Pelo menos, neste caso. O que deve contar não é a Cultura mas a Instituição política, a Constituição, a Lei. O que me interessa é a Sociedade e não a Comunidade. O que deve ser vital é a Civilização e não a Cultura. O que é o Ocidente? O que deve representar a Europa? A meu ver, não deve representar nem a religião nem a dita cultura. A Europa, o Ocidente devem simbolizar a vigência das instituições da democracia representativa. Se a Turquia cumprir estes critérios político-institucionais, deve entrar na UE. Se Istambul respeitar o chamado estado de direito, então, é tão europeia como Portugal.
E a religião nunca deve contar. Em qualquer cenário, o cristianismo não deve pesar em decisões políticas. Se os europeus tiverem em linha de conta a Cruz, então, a Europa abrirá, em definitivo, as portas à Reacção. E, atenção, não estou a ser jacobino. Isto não é ódio à Igreja. É, isso sim, isolar os critérios políticos fundamentais do século XXI.
3. Onde acaba a Europa? Esta é uma pergunta que me causa arrepios. Como se um critério geográfico completamente arbitrário pudesse encobrir critérios políticos qualitativos. Como se um risco no mapa, desenhado para os mapas que temos nas escolas primários, pudesse pesar numa decisão geo-política e ideológica de primeira grandeza.
4. História? Uhh… Vejamos. Nunca fui à Turquia. Nunca fui à Finlândia. Agora, pergunto-lhe: em que país um algarvio ou um siciliano se sentiria mais à vontade? Aposto que a resposta seria a Turquia. Temos sangue e tradições árabe na nossa dita cultura. Desde os nomes (Algarve) até aos tomates. Aposto que não há tomates na Finlândia. (entenda-se tomates como a cultura agrícola do tomate, uma herança árabe).
5.História? O Império Otomano, durante a Idade Moderna, dava lições de tolerância aos estados europeus. Quando os judeus eram expulsos de cidades na Europa continental, encontravam refúgio em outras três grandes cidades europeias: Londres, Amesterdão e... Istambul.
Um abraço e, mais uma vez, muito obrigado pela cordialidade,
Henrique Raposo
7 Comments:
Pondo de parte a politização do termo "cultura" (em que esta se distingue da sociedade em que a última é supostamente constituída por uma pluralidade de culturas que importa reconhecer politicamente- o malfadado multiculturalismo) escrever "O que deve contar não é a Cultura mas a Instituição política, a Constituição, a Lei. O que me interessa é a Sociedade e não a Comunidade" parece-me entrar em contradição as criticas que tens vindo a fazer a abstracções legais (e.g. aventura americana no iraque e os desvarios de exportar a LIBERDADE como missão histórica dos EUA). O que entendes por instituições políticas sem uma comunidade que as sustente? A democracia liberal não existe apenas na letra, mas também materialmente e para isso os termos comunidade ou cultura (ou práticas, para evitar essencialismos "substancializantes") parecem-me essenciais. Aquilo que nós somos politicamente vai muito para além de instituições e constituições formalizadas.
ps: Turquia não é Árabe (chama-lhes árabes e eles ofendem-se. Eu estive lá)
Um abraço
Joao Galamba
O meu comentário acima nada diz sobre a minha posição sobre a entrada da Turquia, que eu aliás até apoio.
Muito bem
Só um preciosismo: os turcos não são árabes, e os tomates tão pouco. São americanos, eram cultivados pelos aztecas e tribos índias, espalharam-se primeiro em Itália, Espanha, provavelmente cá.
Caro anónimo,
- V. estragou-me um mito de infância. Sempre pensei que o “tomate” era herança árabe. Mas obrigado pela informação.
- Sim, eu sei que os turcos não são árabes. Usei o termo “árabe” para dar a entender que a Europa mediterrânica tem muita influência de uma cultura islâmica. Uma cultura islâmica presente, obviamente, na Turquia. É essa a ligação que tentei fazer.
Grande calinada essa dos tomates, se calhar estava a pensar na laranja, essa sim tradicionalmente cultivada pelos arábes,
Aliás, “laranja” em turco diz-se “portakal”. Nome que deve vir de cá mesmo…
Lá, fartei-me de beber sumo de portakal, e quando, ao saber da minha nacionalidade, repetiam Portakal! Portakal! A sorrir.
Istambul é de facto uma grande cidade, um melting pot caótico de gentes e história(s), uma nova Iorque mar negro mesopotâmia, Grécia, bizâncio, e um cheirinho de Rússia, vindo do mar negro: está tudo lá.
Tanto se viam turcos risonhos, amantes da boa vida e curiosos, prontos a beber uma cerveja ou um chá de macã. E muitissimo parecidos - nas feições, no uso do farto bigode, engatatões de estrangeiras - so quando fazia cara feia e recusava os avanços, dizendo ser portuguesa, recuavam e tornavam quase envergonhados: “Ooo, portuguese ladies are like turkish ladies!”….o que quer que isso fosse. Para lá da cidade cosmopolita e caótica sentia-se contudo uma sombra nos altifalantes que, em crescendo para as terras do interior debitavam rezas e em alguns vultos femininos que passavam cobertos por uma espécie de gabardine feia e invariavelmente cinzenta, da cabeça aos pés. Foi há uns anos, não sei como estará hoje.
Já devo ter lido mais de cem comentários em relação à entrada da Turquia na U.E. e em grande parte deles as pessoas, mesmo pensando que sabem destinguir, relacionam frequentemente a Turquia e o árabe. Tal como o João disse, a Turquia não é àrabe (!!!), e é normal que os turcos fiquem ofendidos e mesmo espantados com esta digamos "ignorância" por parte de muita população europeia. Os países àrabes são a Argélia, a Arábia Saudita, o Bahrain, Djibuti, Egipto, Emirados, Iémen, Iraque, Jordânia, Líbano, Omã, Mauritânia, Marrocos, Kuwait, Líbia, Palestina, Qatar, Síria, Sudão e Túnisia. Apenas estes! Não confudam turquias, iraques e afeganistoes com a cultura àrabe pois a única caracteristicas que todos têm em comum é a religião.
Vivi 8 anos na Turquia, e foram os melhores anos da minha vida. Não quererei dizer com isto que qualquer pessoa fosse adorar viver lá com eu, mas posso garantir-vos que a imagem que têm da Turquia (mesmo as pessoas que já lá foram como turístas) distorce fortemente a realidade.
A maioria da população turca encontrasse nas cidades (só Istanbul tem cerca de 15 milhões de pessoas), e esses cidadãos têm uma mentalidade que nunca irá permitir qualquer tipo de agressão religiosa para com os outros países europeus. Eles praticam, na sua maioria, o islamismo mas de uma forma pacífica, ignorando qualquer regra conservadora típica dos países àrabes. Vi mulheres a pagarem multas por usarem lenço, vi homens a serem presos por casarem as filhas em idade precóce, impedindo-as de terminar a escolaridade obrigatória. Assisti a uma série de acontecimentos que me fez adorar a união e a força daquele povo. Um povo moderno, que elogia com persistência o seu grande herói ATATURK, que revolucionou radicalmente a vida desta sociedade.
Devido ao seu grandioso espaço geográfico, é natural que as zonas periféricas do país, as quais fazem fronteira com países islâmicos conservadores, esteja repleta de pessoas que, para além de discordarem com a entrada da Turquia na União Europeia, utilizam a força e a violência para converter o país ao seu estado de um século atrás.
Os Curdos, esses também, e desculpem a linguagem, são estúpidos e loucos.
O que escrevi não evidencia nenhum factor de defesa da entrada da Turquia na União Europeia (para a qual o meu voto é um grande SIM), mas (espero eu) explica que não se pode argumentar as coisas sem as sabermos com todas as certezas. Os turcos são os turcos, os àrabes são os àrabes. Até a linguagem religiosa falada pelos turcos tentou ao máximo susbtituir a maioria das expressões àrabes, com novas palavras turcas.
Quem visita a Turquia, vê o que já havia idealizado: homens a vender tapetes, pessoas tapadas dos pés à cabeça, entre outras paisagens conservadoras... Mas é assim que funciona o túrismo. Diminuiria o rendimento, de certeza, se os turistas vissem apenas mais um país moderno e belo! E que grande país, grande povo e além de tudo...grande fidelidade que existe entre turcos. Admiro muito o valor e o respeito que os turcos têm pelos seus compatriatas e a enaltação que atribuem à amizade fíel.
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