Eleições iraquianas: pré-requisito democrático?
A inesperada ausência de altos níveis de violência nas eleições iraquianas tem suscitado as mais amplas apreciações. Charles Krauthammer depreendeu que chegou a hora para se dançar no Iraque; Fareed Zakaria, ainda antes do Iraque ir às urnas, avisou que “eleições não são democracia” e, ontem, Robert Kagan e William Kristol, não se coibiram a integrar os altos níveis de participação eleitoral dentro de um movimento eleitoral global de progressão democrática, ao lado da Palestina, Ucrânia ou Afeganistão.
Se Krauthammer terá ultrapassou, em muito, as fronteiras optimistas do seu “realis,mo democrático”, Kristol e Kagan enunciam laços democratizantes entre os vários actos eleitorais que são, no mínimo, dúbios.
O que congrega, realmente, estes três nomes é a reacção face a uma tendência liberal e idealista de depreciação do acto eleitoral iraquiano como um passo marcante para a emergência de um Iraque democrático. Para estas três vozes as eleições iraquianas são mais do que a validação do plano da Administração Bush para o Iraque, são o mote para a génese de uma vaga democrática que se expandirá a todo o Grande Médio Oriente e Norte de África. De um Iraque livre e pluralista, sairá um exemplo global com carácter corrosivo para Estados falhados ou párias e ausência de violência no acto eleitoral deverá ser enquadrada, nos sector liberais e pacifistas, como o resultado de uma vontade soberana do povo iraquiano e das suas aspirações democráticas.
Fareed Zakaria não foi tão optimista. A sua preocupação central não foi a possível violência que envolveria as eleições, mas a sua inclusão dentro da emergência de uma “democracia iliberal”. Pressente um Iraque que talvez seja formalmente democrático, mas cujas fundações são progressivamente corroídas por tensões étnicas, por uma economia petrolífera em mãos oligárquicas e pela ausência dos fundamentos civis de uma democracia liberal.
Apesar de não conseguir partilhar o optimismo de Kagan, Kristol ou Krauthammer, também Fareed Zakaria não me convenceu. Fiquei com a ideia que estes três artigos falham num ponto essencial: as suas ilações são projectadas de um imediato incerto para um futuro idílico. Não consigo imaginar Bagdade a dançar de júbilo democrático ou o Iraque a ser a ponta de lança democrática para o Médio Oriente, mas sou optimista, ao ponto, de ver o processo eleitoral como uma passo necessário e original para um Iraque Democrático. Fareed Zakaria acertou em cheio ao acusar os EUA de uma estratégia de estabilização e de pacificação que perdeu pelo caminho uma política de incentivos democráticos junto da sociedade civil, mas os seus avisos face aos identificadores de uma “democracia iliberal” parecem-me demasiado orientados para o longo prazo.
Tanto Kristol, Kagan, Krauthammer ou Zakaria passaram ao lado de algo essencial para um Iraque democrático: uma Constituição verdadeiramente democrática.
Ainda incertos, os resultados eleitorais iraquianos parecem comprovar a já esperada vitória da coligação religiosa xiita, Aliança Unificada Iraquiana, liderada pelo Grande Ayatollah Ali al-Sistani, secundada pelos xiitas seculares do primeiro ministro Ayad Allawi que conseguiu entre 18% a 20% do voto popular. Com a população sunita ausente do acto eleitoral e com os curdos divididos entre a abstenção e a participação na Aliança Unificada Iraquiana, é certa a primazia eleitoral desta coligação ad hoc que sempre pressionou as forças americanas para a realização rápida de eleições.
A Aliança Unificada Iraquiana é uma amálgama de micro-coligações, grupos religiosos, facções não religiosos ou étnicas, cuja solidez pós-eleitoral será duvidosa. A redacção do futuro texto constitucional iraquiano estará maioritariamente a seu cargo. Teme-se que o carcater religioso da coligação e a forte presença do Grande Ayatollah Ali al-Sistani imprimam um forte pendor religioso ao texto constitucional. A Shariah, ou a lei Corânica, bem como o modelo iraniano podem ser as principais bases constitucionais e pressente-se a restrição das liberdades civis e individuais femininas, bem como a supressão do carácter pluralista étnico.
Ainda que no seio da Aliança Unificada se admita que “the constitution is the most dangerous document in the country and the most important one affecting the future of the country" e que "it should be written extremely carefully", a valorização constitucional do modelo iraniano de wilayat al-faqih sera um passo atrás no processo democrático. A pressão religiosa do grupo de clérigos conhecido como “marjaiya”, poderá ser determinante para esse passo. Um corpo constituinte afecto à facção regular da Aliança Unificada, dificilmente terá em mente os Founding Fathers ou a sala do jogo da péla, no lugar destes encontraremos o modelo iraniano de inconfidência religiosa com o poder temporal.
Como Farreed Zakaria admitiu, a presença militar americana concentrou-se demasiado na estabilização e na ordem interna, minorando a promoção prática de fundamentos democráticos. Será essencial ao processo democrático iraquiano que o actual primeiro-ministro Ayad Allawi saiba tirar partido da fraca coesão da Aliança Unificada, de forma a minorar a presença e os laços religiosos na escolha do modelo de Estado.
Fareed Zakaria não foi tão optimista. A sua preocupação central não foi a possível violência que envolveria as eleições, mas a sua inclusão dentro da emergência de uma “democracia iliberal”. Pressente um Iraque que talvez seja formalmente democrático, mas cujas fundações são progressivamente corroídas por tensões étnicas, por uma economia petrolífera em mãos oligárquicas e pela ausência dos fundamentos civis de uma democracia liberal.
Apesar de não conseguir partilhar o optimismo de Kagan, Kristol ou Krauthammer, também Fareed Zakaria não me convenceu. Fiquei com a ideia que estes três artigos falham num ponto essencial: as suas ilações são projectadas de um imediato incerto para um futuro idílico. Não consigo imaginar Bagdade a dançar de júbilo democrático ou o Iraque a ser a ponta de lança democrática para o Médio Oriente, mas sou optimista, ao ponto, de ver o processo eleitoral como uma passo necessário e original para um Iraque Democrático. Fareed Zakaria acertou em cheio ao acusar os EUA de uma estratégia de estabilização e de pacificação que perdeu pelo caminho uma política de incentivos democráticos junto da sociedade civil, mas os seus avisos face aos identificadores de uma “democracia iliberal” parecem-me demasiado orientados para o longo prazo.
Tanto Kristol, Kagan, Krauthammer ou Zakaria passaram ao lado de algo essencial para um Iraque democrático: uma Constituição verdadeiramente democrática.
Ainda incertos, os resultados eleitorais iraquianos parecem comprovar a já esperada vitória da coligação religiosa xiita, Aliança Unificada Iraquiana, liderada pelo Grande Ayatollah Ali al-Sistani, secundada pelos xiitas seculares do primeiro ministro Ayad Allawi que conseguiu entre 18% a 20% do voto popular. Com a população sunita ausente do acto eleitoral e com os curdos divididos entre a abstenção e a participação na Aliança Unificada Iraquiana, é certa a primazia eleitoral desta coligação ad hoc que sempre pressionou as forças americanas para a realização rápida de eleições.
A Aliança Unificada Iraquiana é uma amálgama de micro-coligações, grupos religiosos, facções não religiosos ou étnicas, cuja solidez pós-eleitoral será duvidosa. A redacção do futuro texto constitucional iraquiano estará maioritariamente a seu cargo. Teme-se que o carcater religioso da coligação e a forte presença do Grande Ayatollah Ali al-Sistani imprimam um forte pendor religioso ao texto constitucional. A Shariah, ou a lei Corânica, bem como o modelo iraniano podem ser as principais bases constitucionais e pressente-se a restrição das liberdades civis e individuais femininas, bem como a supressão do carácter pluralista étnico.
Ainda que no seio da Aliança Unificada se admita que “the constitution is the most dangerous document in the country and the most important one affecting the future of the country" e que "it should be written extremely carefully", a valorização constitucional do modelo iraniano de wilayat al-faqih sera um passo atrás no processo democrático. A pressão religiosa do grupo de clérigos conhecido como “marjaiya”, poderá ser determinante para esse passo. Um corpo constituinte afecto à facção regular da Aliança Unificada, dificilmente terá em mente os Founding Fathers ou a sala do jogo da péla, no lugar destes encontraremos o modelo iraniano de inconfidência religiosa com o poder temporal.
Como Farreed Zakaria admitiu, a presença militar americana concentrou-se demasiado na estabilização e na ordem interna, minorando a promoção prática de fundamentos democráticos. Será essencial ao processo democrático iraquiano que o actual primeiro-ministro Ayad Allawi saiba tirar partido da fraca coesão da Aliança Unificada, de forma a minorar a presença e os laços religiosos na escolha do modelo de Estado.
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