sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Mediano

Pacheco Pereira entrou em directo e abriu o seu Abrupto ao seus leitores, Rui Tavares no Barnabé estava a fazer uma excelente cobertura em tempo real até ter sido minado pelo obscurantismo do reaccionário Weblog. Nós, aqui n’O Sinédrio, cumprindo o lema lá em cima, somos mais reflexivos, gostamos de ver o debate, ir apontando umas ideias no caderno mental e só depois de um cigarro pensativo é que atacamos.
Digo logo à partida que não sou um fã deste novo modelo. Melhor, sou fã mas quando o vejo na CNN e os intervenientes são George Bush e John Kerry. Nos EUA este é o modelo certo, não porque é o mais elucidativo ou o mais prático, mas porque é o tradicional. Nascido no tempo do debate radiofónico, funciona perfeitamente quando a carga ideológica é inferior e porque os candidatos o encaram como natural. Em Portugal, a sua adaptação deixou o espectador insatisfeito, o moderador desorientado e os intervenientes confusos. Para quem se habituou a ver os mesmos dois intervenientes a debaterem no modelo tradicional, este novo estilo foi um flop.
Outra palavra para o cenário. O molde americano é bastante sóbrio no cenário: duas pequenas tribunas, talvez um banco, um espaço sóbrio e o público no fundo apagado. A adaptação portuguesa criou uma aberração que parecia uma pista de carrinhos de choque. Sugiro um regresso ao modelo que foi usado no debate entre Guterres e Durão Barroso.
Indo além da estética, pode-se dizer que este debate não foi decisivo e não será, com certeza, memorável. O que foi dito já todos tinhamos tido a oportunidade de ler nos jornais e não houve novos argumentos na mesa. Ainda assim, penso que se pode declarar um vencedor e ele é José Sócrates. Porém esta não é uma vitória decisiva ou marcante. O líder do PS ainda não tem o capital político que inspire uma confiança instintiva ou um crédito automático. Hoje José Socrates, em especial nas suas alegações finais, deveria ter dito incisivamente “confiem em mim, julguem-me depois”. Mas foi Pedro Santana Lopes que o fez e aí a sua estratégia foi contraproducente. Pedir “confiança” quando o ânimo geral é de dúvida só lhe trará péssimos resultados. Santana Lopes deveria ter pedido uma “oportunidade” ou uma tábua rasa de 4 anos, “confiança” poucos lhe concederão.
O seu “I have a dream” e a sua última frase, bem como a forma como fitava as câmaras, são prova de que este discurso, ou as suas linhas gerais, vinha ensaiado, o que é ainda mais preocupante. José Sócrates esteve atento, soube expressar os maneirismos certos para os momentos indicados e soube confrontar o seu adversário de forma contundente. Um mero exemplo foi a comédia dos estágios profissionais para a terceira idade. Foi hilariante ouvir dizer que os idosos “também são gente”.
Mas, a meu ver, José Sócrates falhou num ponto, talvez acessório, talvez essencial: sorriu demasiado. Maiorias absolutas resultam de duas únicas situações: cenário de crise generalizada que inspira o voto na mudança, ou de confiança total no candidato. Se as coisas lhe correrem bem, talvez possa aspirar a um segundo mandato suportado pela segunda hipótese. Hoje José Sócrates tem de significar sobriedade, competência e optimismo e representar uma alternativa sólida tanto para o tradicional eleitorado do PS como para os votos flutuantes ou indecisos, para estes Sócrates não pode sorrir, mas tem de ser já a face de um futuro executivo.
Os verdadeiros fãs do debate clássico, da demagogia na mesa e dos temas fracturantes, ficaram melhor servidos com o clash Louçã/Portas.