quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Que futuro para uma Coreia do Norte nuclear?


Yongbyon Posted by Hello

Hoje a Coreia do Norte declarou a sua capacidade nuclear. O que há de original aqui? Se tanto, a novidade será, exclusivamente, a declaração em si, que representa uma quebra com a tradição de Guerra Fria das potências secundárias ou regionais (caso de Israel) esconderem as suas capacidades ofensivas de olhos internacionais. De resto a declaração norte coreana tem de ser vista como mais uma jogada num enquadramento mais lato. A par da declaração de capacidade nuclear vem o abandono das conversações de desarmamento e aí é que reside a questão fulcral.
Desde a década de 90 que se presume uma capacidade nuclear norte-coreana. Só o tratado anti-nuclear de 1994 arrefeceu o emergente enquadramento da Coreia do Norte como possível potência nuclear. No entanto, a retirada norte coreana do Tratado de Não Proliferação, a reactivação do reactor de Yongbyon e a expulsão dos inspectores internacionais em 2002 veio recapitular a marcha de Pyongyang para a capacidade nuclear.
O seu enquadramento no Axis of Evil de 2002 é o resultado natural de uma aspiração nuclear previsível e omnipresente. A Coreia do Norte nunca o procurou esconder, nunca o dissimulou como Teerão. A sua ambição nuclear é, em parte, vital para a sobrevivência do regime. O actual epíteto de “ameaça nuclear” ou de “outpost of tyrany” só vem cumprir os desígnios de Kim Jong Il. O que tem a ganhar uma Coreia do Norte contabilizada no sistema internacional como potência nuclear declarada? A resposta é óbvia: respeito regional e melhores contrapartidas negociais. Pyongyang acabou de lançar na mesa a sua cartada nuclear e acredita que os trunfos ainda não saíram do baralho.
Será previsível um regresso da Coreia do Norte à mesa de negociações, mas agora já não será enquadrado como o regime com aspirações nucleares, mas como regime nuclear de facto. Negociar com uma potência nuclear não é o mesmo que negociar com uma aspiração nuclear e os EUA, a Rússia, o Japão e a Coreia do Sul terão de reconsiderar as suas capacidades de resposta. A questão será, até que ponto Kim Jong Il alegará o exemplo paquistanês ou indiano para justificar a sua necessidade nuclear.
A estratégia de declaração subliminar de uma capacidade nuclear que Pyongyang havia adoptado até hoje, não terá sido quebrada pela declaração americana do regime de Pyongyang como “outpost of tyranny”, como afirmam os responsáveis norte-coreanos. Capacidade nuclear efectiva demora, obviamente, muito mais do que duas semanas a atingir. A tomada de posição norte coreana resultará, basicamente, de dois factores: o ímpeto internacional face ao caso iraniano e a necessidade de sobrevivência do regime. Pyongyang, rejeita, assim, o enquadramento da sua questão nuclear nos mesmos moldes gerais que estão a ser usados para o Irão e procura assegurar a continuidade política de Kim Jong Il, bem como da sua sucessão num Estado que mais do que economicamente decrépito, é profundamente militarizado.
Como deve o sistema internacional endereçar uma Coreia do Norte nuclear? Estima-se que a Pyongyang tenha uma capacidade nuclear de 2 a 9/10 engenhos. Desconhece-se a existência de prévios testes nucleares e há a quase-certeza da incapacidade militar de disposição externa da sua capacidade nuclear pelos meios convencionais. Aqui é que reside o problema. Um futuro teste nuclear norte-coreano, mesmo que no sub-solo, será um factor de profunda instabilidade regional. A resposta imediata ou num futuro próximo por parte das potências vizinhas, aliada ao nervosismo previsível, poderá resultar em perigosas consequências.
Também a incapacidade militar norte coreana traz consigo o problema da possível disposição de engenhos nucleares por meios não convencionais ou, dada as suas carências económicas, de venda de armamento nuclear a terceiros: Estados ou redes transnacionais, numa altura em que está provada a venda de plutónio à Líbia em 2001. Aí o que seria, à partida uma questão regional passa a ter contornos globais.
A resposta da comunidade internacional terá de se socorrer de um modelo bem diferente do usado para o caso Iraniano. Se para o Irão poderá vir a resultar a estratégia good –cop - bad – cop Eu3/EUA, para a Coreia do Norte a resposta internacional só poderá ser bem diferente. A União Europeia nunca poderá ter um papel de superior relevância. Se lhe faltam sticks ameaçadores, também as suas carrots só poderão chegar por canais secundários. Ainda assim deverá declarar a sua aversão a uma Coreia do Norte nuclear.
A solução terá de passar pelos EUA e especialmente pela China e outras potências regionais, como o Japão, Coreia do Sul e Rússia. Será a China que deverá pressionar Pyongyang. E se Pequim, dado os seus interesses estratégicos na existência Coreia do Norte, nunca pressionará Pyongyang ao ponto de provocar um derrocada do regime, a sua acção será fulcral para a demover Kim Jong Il.
Se a China procurará, de forma bilateral, trazer a Coreia do Norte, de volta à mesa de negociações. Os EUA só terão a ganhar com uma estratégia de continuada pressão internacional, levando o caso nuclear norte coreano ao Concelho de Segurança da ONU e com a ameaça de um progressivo isolamento internacional do regime. Ainda assim, nos termos actuais, a possibilidade de uma intervenção armada parece muito distante.