sexta-feira, abril 15, 2005

Bach, Kubrick e Borges “versus” Beethoven, Fellini, Garcia Marquez

Caro AA,

Concordo em absoluto: «Bach é sublime, uma experiência intelectual […] Beethoven destila Humanidade; ouvir Beethoven é uma experiência emocinal, primária, primordial».

Certa vez, li algures que Kubrick era o Borges do cinema. Ou seja, ambos são (nunca morrem) absolutamente cerebrais. O seu universo é apenas e só o da abstracção. Ou seja, repetiram no cinema e na literatura, aquilo que Bach fez na música. É como se a matemática e a arte se fundissem numa única peça.

Ex: Kubrick filmou a guerra do Vietname em Inglaterra. Não lhe interessa filmar os homens reais de carne e osso num cenário real. Apenas lhe interessava o tema da “guerra”. O grupo de actores, para Kubrick, era… gado. As personagens de Borges são também uma “porta” para as dissertações sobre os labirintos, etc.

Beethoven é, como V. diz, a plenitude da humanidade. Arriscando comparações “impossíveis”, diria que a fúria, o fausto, a voluptuosidade emotiva de Beethoven têm o seu paralelo na escrita turbulenta de Garcia Marquez e na volúpia humana do cinema de Fellini.

No cinema de Fellini e na escrita de Marquez, as personagens são tudo. Nós revemo-nos na humanidade emocional com que eles tratam as personagens. Como não chorar quando aquela personagem (não me lembro do nome) do “Cem Anos de Solidão” sobe aos céus? Como não sentir pena do “Patriarca”? Como não sentir uma volúpia terminal e lasciva pela Anita Ekberg na fonte romana? Em suma, como não chorar quando se ouve a “quinta”, a “sétima” e a “nona”?

Sinto um respeito intelectual inquebrantável por Bach, Kubrick e Borges. Mas aqueles que enviaria para o espaço para comunicar com quem quer que seja, aqueles que levarei comigo, só podem ser Beethoven, Fellini e Marquez. As linhagens românticas são uma desgraça na política, mas são divinas da arte (Roger Scruton).

Um Abraço,
HR

8 Comments:

Blogger Joao Galamba said...

Sim, os excessos Românticos (ou seus derivados) em Política são perigosos quando não desastrosos. Mas será que pode existir política sem eles. Hegel não rejeitou completamente o Romantismo, antes reconheceu a sua relevância integrando-o com a Razão. Será que Scruton tem razão (e será que a sua filosofia política põe em prática o que é dito nessa frase?)no que diz?
Não descurando os perigos, não deviamos reconhecer a inevitabilidade do problema colocado pelos românticos em política? Herder é perigoso, mas penso que os problemas que os românticos tentaram resolver não podem ser ignorados em política.

4:03 da tarde  
Blogger Joao Galamba said...

Esqueci-me de dizer: belo post. Parabéns

4:03 da tarde  
Blogger AA said...

Excelente. Um post arrabatado ("beethoviano") que faz juz à pena de HR.

Em suma, como não chorar quando se ouve a “quinta”, a “sétima” e a “nona”?

A quinta não me dá vontade de chorar! Com três andamentos genuinamente rápidos ("Allegro, Andante, Allegro, Allegro"), é uma verdadeira montanha russa!

(A propósito de linhagens românticas, recomendo vivamente as transcrições para piano desta e das outras sinfonias de LvB, feitas por Liszt)

No capítulo da comoção, poucas obras são mais poderosas que o Adagio do Concerto Nº5 para piano e orquestra ("Imperador")...

Penso que HR explicou o meu fascínio por Kubrick! Curiosamente, uma das suas obras-primas é a "Laranja Mecânica", cuja banda sonora (para além de Rossini e Gene Kelly) só passa "Van" ;)

Um abraço,

AA

7:34 da tarde  
Blogger AA said...

"arrebatado".

Desta admito o "typo", com dez minutos de atraso, obrigado Blogger...

7:48 da tarde  
Blogger Henrique Raposo said...

Certo. Mas o "Barry Lyndon" não gira em torno de um concerto de Bach?

12:37 da tarde  
Blogger AA said...

Agora fui apanhado... :)

Confesso que deixei o romance de Thackeray a meio, há mais de dez anos...

Do filme, não me recordo que a acção estivesse centrada num concerto de Bach -- existe uma passagem de um concerto para dois cravos, se não me engano o mesmo que é tocado em dois pianos no La Pianiste de Haneke... a rever (ambos)!

Seja como for, foi pretexto para ouvir de novo o CD (sim, sou Naxófilo!) :)

Um abraço,

AA

3:39 da manhã  
Blogger Henrique Raposo said...

Caro AA

Quando digo “girar em torno de”, não estou a referir-me à acção física das personagens, mas à presença constante, asfixiante de um determinado concerto de Bach na banda sonora. É este concerto que marca a passagem de cena para cena, por exemplo. É como se a câmara de Kubrick estivesse numa disposição de obediência em relação à música de Bach. Infelizmente não me recordo do título preciso do dito concerto. Ao contrário de V., não sou, de todo, um especialista na matéria.

Um abraço,
HR

11:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

"volupia humana de Fellini" - como sempre Raposo és como os ingleses dizem food for tought. É uma frase instrumental para perceber o sentir incogniscivel do ser humano... a eterna contradição emoção vs razão, o frágil equilibrio que nos pauta os passos. E que o senhor Fellini imortaliza num trajecto paradisiaco de imagens. Mais tarde quando sair da minha entropia voltarei a dar sinais de vida.Bem haja maitre Raposo

1:27 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home