Nelson Rodrigues, a múmia e a filha desdentada
Às vezes, penso que os portugueses não lidam bem com a própria língua. Às vezes, parece que não nos sentimos bem quando falamos o “português”. Por vezes, parece que gostaríamos de falar e escrever em francês, alemão ou, mais recentemente, inglês. É como se não nos sentíssemos em casa. É como se o “português” não fosse um habitat confortável. É como se o “português” fosse uma samarra em dia de verão. É como se o “português” não fosse a nossa língua materna. Somos rígidos a falar. Falamos literalmente para dentro, como se tivéssemos vergonha de falar uma língua com séculos de história.
Uma “estória” para ilustrar. Estava em Londres com um grande amigo, a conversar num pub. Uma senhora senta-se na mesa ao lado. Às tantas, com aquela cordialidade curiosa dos ingleses, faz a seguinte pergunta: “os senhores são russos?”
Ah?!!! Como é que dois latinos podem parecer dois eslavos a conversar? Isto nunca aconteceria com dois espanhóis, italianos ou franceses. Porquê? Os espanhóis, os italianos e os franceses não têm vergonha da sua língua. Falam como vencedores, mesmo que não o sejam. Falam com amor à língua. Às tantas, o acto de falar é um acto de celebração nacional (sobretudo para os espanhóis. Em Espanha não há diálogos, apenas monólogos. São quantos os espanhóis? 50 milhões? Pois bem, então há 50 milhões de monólogos todos os dias do outro lado da fronteira).
Mas, por que “carga de água” estou a escrever estas barbaridades? Resposta: estou a ler, a sério, a obra do grande escritor brasileiro Nelson Rodrigues. A par do Millôr Fernandes, do Eça e do Pessoa, Nelson Rodrigues é, porventura, o maior fazedor de frases da língua portuguesa dos últimos 200 anos (peço desculpa pelo exagero… Mas será mesmo exagero?)
Com Nelson Rodrigues, sentimos orgulho no “português”. Aqui, percebe-se a grandeza da nossa língua. Aqui, o português tem potencialidades infinitas. Aqui, o nosso idioma é um barro macio, uma argila de elasticidade faraónica. Aqui, não há limites. Nelson Rodrigues (tal como Raduan Nassar, Guimarães Rosa, Manuel de Barros, etc), sente-se em casa quando escreve em português. Não pensa em francês para depois traduzir para português. Não. É português do princípio ao fim. Desde a nascente, no neurónio, até à foz, na ponta da caneta, é sempre o português que manda.
Ler o português brasileiro do Nelson Rodrigues pode ser uma boa terapia para a nossa timidez linguística. Proponho uma excursão à Fnac da Baixa. Está lá uma estante cheia de livros brasileiros. Vamos lá esgotar esse bendito móvel.
Quando acabar de ler a obra do Nelson Rodrigues (ou seja, quando for velho), vou outra vez a Londres. Vou para o mesmo pub. Vou ficar à espera da mesma senhora. Vou ficar à espera nem que seja da sua múmia ou da sua filha desdentada. E só vou sair de lá, quando ouvir: “os senhores são portugueses, não é?”.
Uma “estória” para ilustrar. Estava em Londres com um grande amigo, a conversar num pub. Uma senhora senta-se na mesa ao lado. Às tantas, com aquela cordialidade curiosa dos ingleses, faz a seguinte pergunta: “os senhores são russos?”
Ah?!!! Como é que dois latinos podem parecer dois eslavos a conversar? Isto nunca aconteceria com dois espanhóis, italianos ou franceses. Porquê? Os espanhóis, os italianos e os franceses não têm vergonha da sua língua. Falam como vencedores, mesmo que não o sejam. Falam com amor à língua. Às tantas, o acto de falar é um acto de celebração nacional (sobretudo para os espanhóis. Em Espanha não há diálogos, apenas monólogos. São quantos os espanhóis? 50 milhões? Pois bem, então há 50 milhões de monólogos todos os dias do outro lado da fronteira).
Mas, por que “carga de água” estou a escrever estas barbaridades? Resposta: estou a ler, a sério, a obra do grande escritor brasileiro Nelson Rodrigues. A par do Millôr Fernandes, do Eça e do Pessoa, Nelson Rodrigues é, porventura, o maior fazedor de frases da língua portuguesa dos últimos 200 anos (peço desculpa pelo exagero… Mas será mesmo exagero?)
Com Nelson Rodrigues, sentimos orgulho no “português”. Aqui, percebe-se a grandeza da nossa língua. Aqui, o português tem potencialidades infinitas. Aqui, o nosso idioma é um barro macio, uma argila de elasticidade faraónica. Aqui, não há limites. Nelson Rodrigues (tal como Raduan Nassar, Guimarães Rosa, Manuel de Barros, etc), sente-se em casa quando escreve em português. Não pensa em francês para depois traduzir para português. Não. É português do princípio ao fim. Desde a nascente, no neurónio, até à foz, na ponta da caneta, é sempre o português que manda.
Ler o português brasileiro do Nelson Rodrigues pode ser uma boa terapia para a nossa timidez linguística. Proponho uma excursão à Fnac da Baixa. Está lá uma estante cheia de livros brasileiros. Vamos lá esgotar esse bendito móvel.
Quando acabar de ler a obra do Nelson Rodrigues (ou seja, quando for velho), vou outra vez a Londres. Vou para o mesmo pub. Vou ficar à espera da mesma senhora. Vou ficar à espera nem que seja da sua múmia ou da sua filha desdentada. E só vou sair de lá, quando ouvir: “os senhores são portugueses, não é?”.
2 Comments:
Qual emplastro, vou aproveitar este espaço para fazer publicidade a uma iniciativa que decorre neste momento no Notas Várias (http//notasvarias.blogspot.com)
A 10 dias de se celebrar oficialmente o 25 de Abril, o Notas Várias vem propor a todos os seus leitores, de todos os quadrantes políticos, que connosco colaborem na discussão que vamos ter sobre a Revolução dos Cravos, enviando um texto da sua autoria para o e-mail notasvarias@gmail.com. Os autores poderão assinar com o seu nome ou pseudónimo, bem como indicar - caso tenham e queiram vê-lo associado ao texto - o seu website ou blog.
Sem querer limitar o âmbito dos artigos, ficam aqui algumas ideias:
- O que mudou verdadeiramente com a Revolução de Abril?
- 25 de Abril ou 25 de Novembro?
- "Abril não se cumpriu"?
- Vale a pena celebrar hoje o 25 de Abril?
- A direita portuguesa mudou com a Revolução?
- O 25 de Abril ainda marca a forma como os portugueses olham para a política?
Os textos devem ser enviados, de preferência, até 23 de Abril.
Mais informações em http://notasvarias.blogspot.com/2005/04/25-de-abril-discusso-aberta.html
Muito obrigado.
Eu é que digo obrigado. Apareça sempre.
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