quarta-feira, junho 01, 2005

Obrigado pelas lágrimas

Peço desculpa pela pieguice, mas o meu grande amigo Bruno Vieira, o meu Nelson Rodrigues, fez-me chorar:


Eucaristia Dominical

Quando eu era pequeno, passava os serões de sexta e sábado com a minha avó a ver filmes. Ela adormecia sempre. A minha avó, não tenham ilusões, não era uma cinéfila. Gostava do Vincent Price e nunca me irei esquecer de um comentário após vermos juntos “A Lei do Desejo” (arrisco-me a dizer que sou a única pessoa do mundo ou, pelo menos, do Vale da Amoreira, que viu este Almodóvar na companhia da avó): “Um rapazinho tão bonito metido naquelas coisas...”. A minha avó lia com muita dificuldade, não fazia ideia de quem eram os actores nem, muito menos, os realizadores, mas gostava de ver os filmes até ser vencida pelo sono. Eu, com a cabeça deitada no colo da minha avó, a resistir ao sono e a proteger-me dos sustos (alguém se lembra de “O Verão do Medo” com a Linda Blair e que passou no canal 1 em 1988?) e ela, duas almas infantis fascinadas por essa coisa simples e mágica de uma história contada através de imagens, à procura de material para os sonhos e de conversa para o almoço de domingo. Essa cumplicidade, da qual não participava o resto da família, continuará comigo para sempre e, quando chego a casa à noitinha e ligo a televisão para ver filmes com o Michael Dudikoff ou com o Jack Scalia, é com a minha avó que os vejo, eu de olhos abertos, ela a dormir.


Quem supera o caos e a violência (a explícita e a pior, a implícita) dum subúrbio de Lisboa, seja Santo António dos Cavaleiros ou o Vale da Amoreira, e escreve desta forma (não é fácil escrever sobre as nossas emoções desta forma contida, segura, sóbria, mas sempre triste, pura, nossa), só pode ser descrito de uma maneira: grande. Muito grande, mesmo.

Obrigado pelas lágrimas e dá um beijo ao puto,

Um abraço suburbano,
Henrique Raposo