quarta-feira, junho 08, 2005

Questões civilizacionais ou questões liberais?


Um comentador do Ocidental inquiriu a iniciativa liberal das Noites de Direita acerca da posição liberal sobre temas sociais como o aborto e a homossexualidade. Ainda que o proponente da questão a tenha colocado, decerto, com num tom jocoso, ainda assim, ela não perdeu o seu carácter de impertinência.
Como o leitor deve compreender, os textos fundadores do pensamento liberal são totalmente omissos no que toca à homossexualidade, o aborto e outras questões sociais do nosso quotidiano e o muito que se tem escrito provém mais de posições libertárias e conservadoras do que propriamente liberais. Mas há uma lata margem para interpretações pessoais.
Santana Lopes apelidou-as de “questões civilizacionais”, o que, na sua essência, é erróneo, porque elas não pressupõem resposta. Ninguém pode inquirir acerca da posição de uma pessoa sobre a homossexualidade, pois esta é uma realidade imutável, intemporal e indiferente à resposta do inquirido. Uma opção política sobre a homossexualidade não será a mesma resposta que a uma pergunta sobre a proibição de tabaco em espaços fechados. Não há viabilidade de um sim ou de um não.
A minha interpretação pessoal e liberal e de Esquerda, e prometo não discorrer em citações e links para obras consagradas, é de que opções pessoais constituem o foro da liberdade pessoal do indivíduo. Não é um regresso do modelo don’t ask, don’t tell para a homossexualidade, mas antes um don’t ask, it doesn’t matter. Da mesma forma o aborto comporta equações de liberdade e responsabilidade, não civil ou penal, mas pessoal. Uma opção pessoal, mas não uma solução de planeamento familiar per se. Porque um aborto, tanto “ilegal” numa garagem poeirenta na Trofa, como “legalizado”, numa clínica esterilizada na Lapa, não deixa de representar sofrimento emocional e físico para a mulher.
No que toca à “imigração”, outra questão em voga, a livre circulação de capitais laborais e financeiros, de espírito de iniciativa meritocrático são peças essenciais num mercado global com dispersão lata de dividendos. O problema central não é a entrada da imigração, mas o seu enquadramento no quotidiano social. Mais uma vez pessoalmente, acredito que a melhor solução passa pelo recurso a um cosmopolitismo dialogante com mútuos benefícios, longe de opções multiculturais de compartimentação social e económica. Mas estas são apenas algumas questões impertinentes que merecem a urgência de iniciativas e de projectos liberais que unam o vasto espectro político. Também para dar resposta devida à progressiva capitalização destas causas sociais pela periferia política.

3 Comments:

Blogger PPM said...

Excelente poste, parabéns.
O que eu julgo que distingue radicalmente um liberal de direita de um conservador (de direita, ou de esquerda - como escrevia no outro dia VPV, os comunistas repudiavam e perseguiam os militantes homossexuais, cujo exemplo máximo foi Júlio Fogaça), ´
é a predisposição para discutir este e outros temas, como os da liberalização das drogas, p.ex.
Não são questões fechadas nem têm que ter respostas dogmáticas, ainda que decorram em grande parte, como também escreve, de posições pessoais - de moral própria - que pouco ou nada têm a ver com a política.
Pessoalmente, sou a favor do casamento entre homossexuais, mas sou contra a adopção de crianças por casais homossexuais - porque a liberdade deve pressupor responsabilidade e na adopção já entram os direitos de terceiros - as crianças, claro. Já o "don’t ask, it doesn’t matter", de que você fala é válido para quem não é homossexual, mas já não o é para os próprios, que muitas vezes se dizem discriminados.

PPM

6:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Esqueceu-se, por razões de força ideológica, que como refere aqui o caro ppm, também no aborto não entram apenas direitos individuais, entram direitos de terceiros. E isto é o problema destes pensamentos de esquerda que é pensar que a liberdade individual de cada um é o valor mais alto. Mas para mim o valor mais alto são os direitos fundamentais universais do ser humano. Sugiro uma olhadela na Carta Universal dos Direitos Humanos, e a seguir uma reflexão sobre a quantidade de artigos que são violados com a "opção indivual" de abortar. Eu estou a favor das vitímas e não dos agressores, e você? Egoísmo vcs altruísmo qual o valor que defende afinal?

1:14 da manhã  
Blogger PPM said...

Só mais uma coisa, Gonçalo. Eu até compreendo e gosto que chame Ocidental ao Acidental - porque é um nome que tem a ver com a minha posição política e ideológica nas relações internacionais - mas não é essa a designação.

PPM

1:16 da tarde  

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