quarta-feira, novembro 16, 2005

Máscaras

A imagem pública de Mário Soares é a de um tio bonacheirão, um bon vivant, amante das artes e dos prazeres da vida, um anfitrião com quem desejaríamos passar um belo serão a comer umas outonais castanhas e a ouvir histórias de antanho. Cavaco Silva projecta uma imagem de gravidade, de austeridade de seminário, de professor de Latim, inflexível como as declinações. Há quem defenda que estas são descrições estereotipadas. Defende bem, mas as imagens existem e a consciência colectiva tem noção delas.

Então, o que há de errado com estes estereótipos? Bem, Soares não é o alegre conviva que as suas amigáveis bochechas fazem crer. É, todos o reconhecem, uma ave de rapina, um conhecedor profundo dos jogos políticos, o celebrado animal politico. A crispação desenhada no rosto severo de Cavaco também existe em Soares. Mais: Soares, não raras vezes, deixa que lhe chegue à epiderme uma espécie de azedume aristocrático, uma arrogância de putativo monarca inquestionável.

Por seu lado, Cavaco cultiva, porque não é um ingénuo, a imagem de tímido a quem uma espartana noção de dever empurra para as luzes da ribalta. O político malgré lui. O rigoroso professor de Finanças Públicas. Que ninguém conquista duas maiorias absolutas com amadorismos e que os governos de Cavaco não se distinguiram pela contenção da despesa pública são argumentos que podem pouco contra a precisão geométrica do queixo do Professor.

Nas próximas eleições vão estar em confronto a bonomia facial de Soares e a ética protestante inscrita na fisionomia de Cavaco. Seria bom para a Democracia que os eleitores ou, se preferirem, as audiências, elegessem um homem completo e complexo, com os seus defeitos e as suas virtudes. Creio, no entanto, que uma vez mais votaremos em máscaras. Confortemo-nos, pois, com a certeza que sempre foi assim.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este tipo de considerações é profundamente detestável e injusto. Tenta meter no mesmo saco o que não é equiparável, pecha abundante na imprensa portuguesa.
Se Portugal perder a oportunidade de ter Cavaco Silva em Belém, preferindo "mais do mesmo" de Soares - isto é, o pântano -, que dirão depois estes escribas?

10:20 da tarde  

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