sexta-feira, abril 15, 2005

Uma crónica à Nelson Rodrigues

Tenho falado aqui de Nelson Rodrigues. As suas crónicas são deliciosas. Como costuma estar inscrito nas contra-capas dos livros do “Anjo Pornográfico”, essas crónicas destilam «filosofia do cotidiano» (gosto da rebeldia brasileira contra o “q”. O “q” não tem dignidade; é uma excrescência da nossa língua. E, ainda por cima, ajuda a criar a maior bengala – o “que”. Durante anos, recusei-me a escrever com o “que”. Hoje, já me reconciliei com o tipo, mas ainda não somos amigos).

Mas, voltando a Nelson Rodrigues, a blogosfera lusa tem um Nelson Rodrigues em potência. Chama-se Bruno Vieira, o proprietário do “julioiglesias”.

Aqui fica um exemplo da chamada «filosofia do cotidiano».

«Telenovelas

As melhores telenovelas são as planas. Personagens atormentadas, ambíguas, hesitantes, são boas em romances russos. Aguinaldo Silva não é Dostoievski mas eu tenho vontade de matar a Nazaré como nem Raskolnikoff a velha. Os bons são bons. Os maus são maus. Quem é que disse que a telenovela tem de se parecer com a vida? A telenovela não imita a vida. Imita a outra telenovela com mais audiência. Para ser mais exacto, imita os contos de fadas. Telenovela séria não é só um oxímoro. É um grande aborrecimento. O maior de todos. Maior do que o Mário Crespo a apresentar o Batatoon (bem, isso até podia ser divertido). Escrever cento e tal episódios de telenovela deve ser pior do que partir pedra numa prisão romena. Conseguir que em todos esses episódios nenhuma personagem sofra a mais ligeira alteração é digno dos maiores louvores. Eu, por exemplo, não consigo escrever um conto sem que ao segundo parágrafo tenha alterado o nome à personagem principal. Talvez seja por isso que a Globo ainda não me contactou»

Esteja onde estiver, Nelson Rodrigues está a brindar a este texto.