quinta-feira, fevereiro 03, 2005

State of the Union Address 2005


Gostava de ter largado este post ontem à noite, mas entre a cama e o computador, escolhi a cama. No entanto, O Sinédrio não poderia passar ao lado da State of the Union Address de 2005.
Para aqueles que durante a campanha presidencial americana ficaram acordados para assistir aos debates televisivos, o discurso desta madrugada não teve a mesma imprevisibilidade ou emoção, mas ainda assim valeu a pena.
Tal como o Bernardo disse uns posts abaixo, a política externa americana rege-se por actos públicos. Ao contrário da prática europeia, em especial da portuguesa, onde posições oficiais e prioridades de política externa e graduações estratégicas se perdem em obscuros livros brancos, nos Estados Unidos impera a prática da exposição e da validação pública.
A National Security Strategy de 2002, bem como o discurso preemptivo de West Point, são meros exemplos de como a doutrina externa americana tem um carácter mediático que a Europa ainda desconhece.
Com o texto à sua frente e com as frases que mereciam a devida ênfase sublinhadas, o discurso do Presidente Bush não fugiu às linhas que já haviam marcado a cerimónia da sua tomada de posse. Em grande parte, este era um discurso bastante previsível. Ninguém, seriamente, estaria à espera de uma data certa para a retirada das tropas do Iraque e o Irão nunca seria hostilizado ao ponto de se insinuar uma opção militar. Ainda assim, houve algumas novidades. A primeira, e talvez a mais importante, foi a viabilização de um possível futuro diplomático para a questão iraniana, onde Bush ressalvou um lugar para a Aliança Atlântica. É um ponto importante, pois o discurso procurou ser caustico para com Teerão, mas só até certo ponto. Não houve um regresso ao Axis of Evil e ficou, mesmo, subentendida uma intenção de patrocínio de medidas democratizantes.
Enquanto que se apelidava o Irão de “the world’s primary sate sponsor of terror”, houve tempo para uma declaração de apoio a uma mudança ou de abertura de regime com génese interna: “ As you stand for your own liberty, America stands with you”.
Também já era esperada a enunciação da Síria como entrave a uma ordem global democrática e à pacificação do Médio Oriente. O Syrian Accountability Act já havia pavimentado o caminho para uma responsabilização de Damasco que hoje alberga o QG da resistência iraquiana. Surpreendente foi, no entanto, a referência crítica a tradicionais parceiros estratégicos como o Egipto e a Arábia Saudita. Depreendo que, se censura a Arábia Saudita será eco da opinião pública americana, o caso egípcio decorrerá do progressivo fecho endogâmico do seu regime.
Também a Coreia do Norte mereceu atenção, tanto na crítica da opção nuclear de Pyongyang, como na intenção de fortalecimento dos laços americanos junto dos seus parceiros asiáticos. Quando foram referidos os “aliados asiáticos” para o caso Norte Coreano, Bush estaria a pensar tanto na capacidade de contenção e de influência da China junto de Kim Jong II, como na necessidade de inverter o emergente défice de credibilidade que mina a imagem dos EUA no Japão e, em especial, na Coreia do Sul.
E pronto, foi o State of the Union Address de 2005 na sua vertente de política externa. Escusando-me a comentar as questões de política interna como a reforma do Sistema de Segurança Social, pode-se dizer que foi um discurso previsível e, na sua generalidade, em consonância com a linha de política externa que marcou o primeiro mandato, ainda que num tom um pouco mais brando. Para aqueles que, como eu, sentem sentiram saudades da dinâmica e da volatilidade dos debates televisivos da campanha eleitoral, aguardemos, hoje, a versão doméstica.