A única via possível
Detalhe do Inferno de Dante, por Rodin
Caro Henrique
Por muito que preze o teu discurso, tenho de notar que todo ele assenta em duas premissas erróneas, já algo clássicas: a “confusão” entre 3ª via e o New Labour e a preposição de que a 3ª via é um espaço ideológico do “confortável”, algures num limbo ideológico descomprometido entre a esquerda e a direita, “ um futebol de ataque sem guarda-redes”. Nenhuma destas suposições está correcta.
Anthony Giddens chega a encontrar laivos de 3ª via na esquerda mutualista francesa da última década do século XIX. Embora eu tenha dificuldade em reconhecer espectros de social-democracia ou, até, ilusões de Bernstein no lato espaço político francês tardio-oitocentista que acabará por produzir Jean Jaurès, devo dizer que já é facilmente identificável uma 3ª via na Fabian Society e especialmente nos New Democrats americanos vocalizados por Clinton e que precedem Blair. Tanto Clinton como o New Labour de Blair acabam por ser respostas do centro esquerda, social- democrata a opções políticas económicas que os precedem em office. Como refutação das Reaganomics ou do colosso de Thatcher, a 3ª via instaurou-se como um espaço de debate e de reorientação no seio da social-democracia, onde o centro-esquerda procurou e procura respostas actuais para a sua equação a um mundo de poder e informação globalizados e para a sua objecção ao puro neoliberalismo de Hayek.
É no centro-esquerda, social-democrata, longe da clássica e desactualizada uniformidade do Estado- Providência que podes encontrar a 3ª via. Ao contrário do que dizes, esta não é uma opção de descompromisso, mas de actualização. Também não é um novo espaço político autónomo, mas um debate interno de renovação onde a urgência de soluções imperou sobre o clássico cisma esquerda-direita.
Por muito que preze o teu discurso, tenho de notar que todo ele assenta em duas premissas erróneas, já algo clássicas: a “confusão” entre 3ª via e o New Labour e a preposição de que a 3ª via é um espaço ideológico do “confortável”, algures num limbo ideológico descomprometido entre a esquerda e a direita, “ um futebol de ataque sem guarda-redes”. Nenhuma destas suposições está correcta.
Anthony Giddens chega a encontrar laivos de 3ª via na esquerda mutualista francesa da última década do século XIX. Embora eu tenha dificuldade em reconhecer espectros de social-democracia ou, até, ilusões de Bernstein no lato espaço político francês tardio-oitocentista que acabará por produzir Jean Jaurès, devo dizer que já é facilmente identificável uma 3ª via na Fabian Society e especialmente nos New Democrats americanos vocalizados por Clinton e que precedem Blair. Tanto Clinton como o New Labour de Blair acabam por ser respostas do centro esquerda, social- democrata a opções políticas económicas que os precedem em office. Como refutação das Reaganomics ou do colosso de Thatcher, a 3ª via instaurou-se como um espaço de debate e de reorientação no seio da social-democracia, onde o centro-esquerda procurou e procura respostas actuais para a sua equação a um mundo de poder e informação globalizados e para a sua objecção ao puro neoliberalismo de Hayek.
É no centro-esquerda, social-democrata, longe da clássica e desactualizada uniformidade do Estado- Providência que podes encontrar a 3ª via. Ao contrário do que dizes, esta não é uma opção de descompromisso, mas de actualização. Também não é um novo espaço político autónomo, mas um debate interno de renovação onde a urgência de soluções imperou sobre o clássico cisma esquerda-direita.
O momento seria e é de busca de um novo traçado político que rejeita a tradicional herança da escola historicista marxista, delineando políticas sociais para um enquadramento económico de mercado longe do peso e das fracturas dogmáticas do passado. Em parte, refutando a tese do “mínimo do Estado” de Hayek e o sólido Estado-providência, aí a 3ª via será o ponto intermédio, não uma fractura política ou ideológica, mas de soluções de continuidade para uma economia de mercado regida por vectores sociais de esquerda. Mas, pessoalmente, a 3ª via é também uma escolha ideológica é a garantia da continuidade do centro-esquerda longe da presença moral ou da tutela dogmática marxista. Aí também podes encontrar Popper e as suas aspirações, quando afirmou que “o elemento profético do credo de Marx era dominante na mente dos seus discípulos. Varreu todo o resto, banindo a força do julgamento frio e crítico e destruindo a crença de que podemos mudar o mundo através do uso da razão.” (A Sociedade Aberta e os seus inimigos, vol II, pp. 192)
No entanto esta reorientação no seio da social-democracia tende a ser dificilmente comportada pelas franjas sectoriais da “outra” esquerda ou pela direita que, despojada de uma racional resposta à adversidade escolhe fazer como o Ruizinho que no recreio da escola critica o Zezinho por este ir brincar com as meninas aos médicos em vez de ir jogar à bola. Mal sabe o Ruizinho que daqui a uns anos ele não quererá outra coisa. Aliás, precisamente na mesma entrevista de Giddens à Folha de São Paulo/DN que mencionaste, o próprio já vislumbrava algo semelhante a uma 3ª via de Direita. O tempo tende a dar-lhe razão e, progressivamente, encontramos um novo impulso de reorientação e actualização na direita portuguesa ou europeia, abrangendo políticas sociais e morais tendencialmente adversas ao seu espaço natural. Ainda que em Portugal o exemplo ainda esteja confinado às dúbias mentes das juventudes partidárias, em França e em Sarkozy já vislumbramos algo diferente do tradicional. Apelativo talvez?
Ainda assim, a direita não parece disposta ou preparada para assimilar esta redefinição da social-democracia, continuando a apreciar o centro-esquerda pelos contraproducentes padrões ideológicos e dogmáticos que pressupõem um regresso de toda a esquerda a uma herança comum e perene. E agora, quem insiste em regressar a Rousseau?
No entanto esta reorientação no seio da social-democracia tende a ser dificilmente comportada pelas franjas sectoriais da “outra” esquerda ou pela direita que, despojada de uma racional resposta à adversidade escolhe fazer como o Ruizinho que no recreio da escola critica o Zezinho por este ir brincar com as meninas aos médicos em vez de ir jogar à bola. Mal sabe o Ruizinho que daqui a uns anos ele não quererá outra coisa. Aliás, precisamente na mesma entrevista de Giddens à Folha de São Paulo/DN que mencionaste, o próprio já vislumbrava algo semelhante a uma 3ª via de Direita. O tempo tende a dar-lhe razão e, progressivamente, encontramos um novo impulso de reorientação e actualização na direita portuguesa ou europeia, abrangendo políticas sociais e morais tendencialmente adversas ao seu espaço natural. Ainda que em Portugal o exemplo ainda esteja confinado às dúbias mentes das juventudes partidárias, em França e em Sarkozy já vislumbramos algo diferente do tradicional. Apelativo talvez?
Ainda assim, a direita não parece disposta ou preparada para assimilar esta redefinição da social-democracia, continuando a apreciar o centro-esquerda pelos contraproducentes padrões ideológicos e dogmáticos que pressupõem um regresso de toda a esquerda a uma herança comum e perene. E agora, quem insiste em regressar a Rousseau?
Um abraço amigo
1 Comments:
Às vezes acho que a palavra esquerda tem dois significados:
(1) para pessoas de esquerda significa bom
e
(2) para pessoas de direita significa mau.
A palavra direita é parecida. Porque me chega a parecer uma questão benfica-sporting, de identidade arbitrária.
Uma vez uma rapariga que normalmente tinha opiniões de esquerda, perguntou-me se eu não concordava com ela numa questão em que até tinha uma opinião mais à direita. Eu disse que sim que concordava, mas que me espantava com ela, dizendo normalmente defendes sempre a esquerda. Aparentemente, ela não sabia que a questão era vista assim e ficou chateada por ter sido apanhada a defender o inimigo.
Também a versão do Milan Kundera que a esquerda (ou a direita) se define pelo seu kitsch faz-me muito sentido.
Quando vista através do tempo e do espaço, esta divisão esquerda-direita é cada vez mais díficil. Mesmo o supra-citado Hayek fazia algumas criticas aos utilitarismo puro da esquerda, defendendo a arte pela arte contra o culto da produtividade que hoje são o tipo de críticas que se podem ouvir no Agito (basicamente são críticas burguesas, ontem defendidas pela dita direita, hoje pela dita esquerda que se aburguesou).
Quando há a esquerda, a outra esquerda que até está próxima daquela direita, mas não da desta direita; quando o presidente do Partido Social Democrata Alemão (em que Marx militou), diz que o futuro é o caminho que nos foi mostrado por Margaret Tatcher; quando a esquerda se torna fundamentalmente conservadora, no sentido estrito: quer salvar este direito adquirido e preservar a constituição de Abril, acusando a direita de ser utópica (por exemplo, na política internacional) defendendo as instituições existentes mesmo quando corruptas contra sonhos e castelos no ar; quando a direita rejeita o que era a direita para adoptar medidas de esquerda, o que é que sobra?
Diferentes Weltanschaungen?
"O bom selvagem" vs. "a primitiva vida dura, brutal e curta" (ie Rosseau vs. Hobbes)?
"Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti" vs. "Faz aos outros o que queres que te façam a ti"
(Hobbes vs. Bíblia, mas muita outra tradição de um lado e outro)?
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