Beethoven e U2: o Sublime e o Bom
Depois do diálogo agradável sobre Beethoven, um amigo telefona:
- Lá ‘tás tu com a música clássica.
Respondi:
- Pois, não fui dormir ao relento para conseguir um bilhete para a banda/consciência do globo, não é?
Retorquiu de imediato:
- “Os gajos da música clássica têm a mania que só eles é que sabem o que é bom”. E, depois, claro, lá surgiu a tirada relativista:
- Ninguém pode dizer o que é "música boa".
O que é "boa música"? Bom, essa é para a eternidade. Cada cabeça terá a sua sentença, aqui e agora, acolá e no passado, ali e no futuro. Mas, meus caros, existe um critério ou um chão comum que permite produzir uma escala gradativa de qualidade. A minha escala é esta: a “marselhesa” no sopé que causa náuseas e a “nona” no topo do êxtase. Os U2 ficam algures no meio.
Mas, então, qual é o critério? Resposta: a boa música é uma tirana. Retira-nos qualquer liberdade. Tornamo-nos títeres de colcheias. Explico melhor:
- Quando conduzia, tinha sempre o rádio do carro na “Antena 2” e na outra do Montijo (não me lembro do nome). Se, por acaso, as simpáticas senhoras resolviam colocar no ar a “nona”, a “quinta” ou a “sétima”, eu, então, mudava de estação. Porquê? Não se pode ouvir Beethoven e conduzir ao mesmo tempo.
Não se pode fazer a cama enquanto se escuta a “quinta”. Nem sequer se pode fazer amor ao som do "hino da alegria". Beethoven exige submissão total. Os órgãos passíveis de actividade enquanto Beethoven está no ar são apenas três, a saber: os tímpanos, os neurónios e o saco salgado no canto do olho. O resto está quedo, inerte, morto-vivo. É isso: somos múmias auditivas quando “Ludwig” está no ar.
A boa música é aquela que nos escraviza.
É por essa razão que não me rendo a U2 e afins? Enquanto oiço os irlandeses, posso estar a falar da epistemologia dos aborígenes da Austrália ou da caneca de leite azedo do pequeno-almoço. São apenas um acompanhamento. Quando os ouvimos, não ficamos petrificados. A sua música permite distracções. Podemos olhar para o lado (ninguém olha para o lado num concerto de Beethoven).
Os U2 (ou qualquer outra banda) até podem ser bons, mas não são sublimes.
Não estou à espera que muita gente concorde com esta defesa da cultura clássica. Também não quero convencer ninguém. Só pretendo uma coisa: explicar aos defensores da pop a razão da continuidade da música clássica, em particular, e da sensibilidade clássica, em geral. Mais importante: gostava que entendessem por que razão se pode chorar com uma música que não tem letra.
- Lá ‘tás tu com a música clássica.
Respondi:
- Pois, não fui dormir ao relento para conseguir um bilhete para a banda/consciência do globo, não é?
Retorquiu de imediato:
- “Os gajos da música clássica têm a mania que só eles é que sabem o que é bom”. E, depois, claro, lá surgiu a tirada relativista:
- Ninguém pode dizer o que é "música boa".
O que é "boa música"? Bom, essa é para a eternidade. Cada cabeça terá a sua sentença, aqui e agora, acolá e no passado, ali e no futuro. Mas, meus caros, existe um critério ou um chão comum que permite produzir uma escala gradativa de qualidade. A minha escala é esta: a “marselhesa” no sopé que causa náuseas e a “nona” no topo do êxtase. Os U2 ficam algures no meio.
Mas, então, qual é o critério? Resposta: a boa música é uma tirana. Retira-nos qualquer liberdade. Tornamo-nos títeres de colcheias. Explico melhor:
- Quando conduzia, tinha sempre o rádio do carro na “Antena 2” e na outra do Montijo (não me lembro do nome). Se, por acaso, as simpáticas senhoras resolviam colocar no ar a “nona”, a “quinta” ou a “sétima”, eu, então, mudava de estação. Porquê? Não se pode ouvir Beethoven e conduzir ao mesmo tempo.
Não se pode fazer a cama enquanto se escuta a “quinta”. Nem sequer se pode fazer amor ao som do "hino da alegria". Beethoven exige submissão total. Os órgãos passíveis de actividade enquanto Beethoven está no ar são apenas três, a saber: os tímpanos, os neurónios e o saco salgado no canto do olho. O resto está quedo, inerte, morto-vivo. É isso: somos múmias auditivas quando “Ludwig” está no ar.
A boa música é aquela que nos escraviza.
É por essa razão que não me rendo a U2 e afins? Enquanto oiço os irlandeses, posso estar a falar da epistemologia dos aborígenes da Austrália ou da caneca de leite azedo do pequeno-almoço. São apenas um acompanhamento. Quando os ouvimos, não ficamos petrificados. A sua música permite distracções. Podemos olhar para o lado (ninguém olha para o lado num concerto de Beethoven).
Os U2 (ou qualquer outra banda) até podem ser bons, mas não são sublimes.
Não estou à espera que muita gente concorde com esta defesa da cultura clássica. Também não quero convencer ninguém. Só pretendo uma coisa: explicar aos defensores da pop a razão da continuidade da música clássica, em particular, e da sensibilidade clássica, em geral. Mais importante: gostava que entendessem por que razão se pode chorar com uma música que não tem letra.
3 Comments:
Por vezes, não ouvimos a “nona”, a “quinta” ou a “sétima” porque temos medo. Sentir esse medo antes de ouvirmos «aquela» música é sinal que não podemos ouvir naquele momento, naquele sítio. Ou seja, não podemos ser infiéis à música que nos toca na alma. Mas, outras vezes, sentimos um desejo, que vem das entranhas, e que nos obriga a ouvi-la, e ouvi-la...
Esse medo também surge quando lemos um livro que simplesmente nos tocou avassaladoramente. De repente, acabamos de lê-lo e, por momentos, achamos que se lermos outro livro, nesse mesmo dia ou passado uns momentos, estamos a ser infiéis ao Grande livro que acábamos de ler. Ou, por vezes, temos tanta vontade de ler mais livros do mesmo autor desse grande livro, que simplesmente não o fazemos com receio. Receio dos outros livros não serem tão bons como aquele.
Olá Pedro,
Como é que está Portimão?
Esse é precisamente o problema: só ouves pequenos trechos de Beethoven. Não se pode ouvir partes da “quinta”. Tens de ouvi-la por inteiro. Quando fizeres isso várias vezes seguidas, quando sentires que “ela” se entranhou em ti, então, vais perceber o que estou a dizer.
Um abraço,
HR
PS: ainda és marxista?
Caro Henrique,
Um comentário de uma amiga minha:
"Não sei quem é o Henrique mas, claro, o nome já diz tudo: é homem. Por mais que a música escravize, uma mulher,como trabalha com dois hemisférios cerebrais, pode escravizar-se por completo ao som da Quinta, da Sétima e da Nona e fazer a cama, conduzir, rezar e até mesmo fazer amor, plenamente, utilizando a restante metade."
:)
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