quarta-feira, maio 11, 2005

Ainda o relativismo do multiculturalismo

Caro Bruno, caro João, caro Tiago (sem bem-vindo, Tiago)

As tiradas sarcásticas “inspiradas” em Leo Strauss tinham um alvo preciso: as orgulhosas feministas ocidentais que fecham os olhos à forma como as mulheres não-ocidentais são tratadas noutras paragens. Se isso não ficou explícito, peço as minhas desculpas.

Este relativismo em relação à situação das mulheres é uma coisa que me enerva profundamente. Quando digo que “a excisão dos órgãos sexuais de meninas de 7 ou 8 anos é uma coisa nojenta, inenarrável”, logo surge alguém a dizer que “é a cultura deles”. Paradoxalmente, este reaccionarismo culturalista costuma ser liderado por mulheres.

Reaccionarismo? Exacto. O multiculturalismo normativo é conduzido por pessoas revoltadas com o sucesso do ocidental. Portanto, usam a sacrossanta cultura como forma de arremesso contra o Ocidente. Tudo seria legítimo se não ocorresse o seguinte: neste processo, os multiculturalistas legitimam os piores regimes e desculpam maus-tratos asquerosos que são infligidos a mulheres.

Este multiculturalismo normativo é uma espécie de “racismo ao contrário”. Os seus agentes negam a individualidade a pessoas de outra cultura. Quando dizem que é a “cultura deles”, estão a reduzir os indivíduos a meros títeres de uma cultura, uma coisa supostamente imóvel e sagrada. Sempre Tönnies. Sempre o reaccionário Tönnies na boca de quem se julga muito progressista.

Pior: negam a individualidade e a vontade própria às crianças que sofrem estes atropelos inqualificáveis. Ou será que pensam que as miúdas desejam ardentemente a lâmina?


Um abraço,
Henrique Raposo

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como já disse, acho que se as vítimas da excisão feminina fossem maioritariamente brancas e não negras, haveria outro tratamento da situação por parte dos progressistas.

Não percebo porque chamas a isto racismo ao contrário. Ou até percebo, mas parece então que não é um racismo verdadeiro.

2:23 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

As circunstâncias culturais não podem, obviamente, servir de desculpa para a aceitação de atrocidades como a excisão, repressão sexual, canibalismo, ou as touradas – será que neste último caso abrias uma excepção?

O fulcro da questão, julgo eu, reside na utilização destes fenómenos, e outros, para a condenação de toda a cultura onde eles florescem. O caso dos países africanos e do médio oriente é flagrante! A massa mediática, que nos chega abundantemente em torno do mundo islâmico, onde se mistura o subdesenvolvimento económico com idiossincrasias culturais, religião e terrorismo degenera facilmente em atitudes fundamentalistas que tendem a tomar a parte pelo todo. Esse tipo de atitude, que aplaude a anulação de culturas a todo o custo, em nome de valores supostamente universais, na realidade só favorece a proliferação de interesses particulares.

3:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostava de saber quais os interesses particulares aqui. Interesses particulares existem sempre. Alusões existem sempre. As questões têm é de ser discutidas por mérito próprio:

Há valores que eu considero universais, sim, como os direitos humanos.

Já que perguntas: honestamente, não tenho grande opinião relativamente às touradas. Já fui muito contra e hoje perdi o interesse em defender esta bandeira. Mas não porque a tourada seja tradição portuguesa, mas porque sinto os direitos dos animais como menos importantes que os direitos humanos (como as tradições hindus que se baseiem em cobras que são mal-tratadas me perturbam menos que os intocáveis), mas esta linha de argumentação lembra-me o dito vocês lincham negros e vou voltar ao assunto em questão.

A pergunta aqui, pode começar por ser esta: Será que a excisão feminina deve ser efectivamente punida como crime em Portugal? (nem pergunto no mundo) As respostas possíveis são só duas sim e não. Sei que não era a questão original do post, mas ponho-a eu.

Eu voto sim, sem dúvidas.

8:58 da tarde  

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