terça-feira, junho 28, 2005

Define-me BEM em política...

Caro Gonçalo,

1.Com certeza que a democracia (democracia liberal, entenda-se) deve ser universal. Problema? A democracia não é um valor abstracto mas uma construção política. O neocon nunca distingue Liberdade (valor ético) de Democracia (prática política). Na realidade histórica, não existem democracias perfeitas mas Poliarquias (Dahl), isto é, adaptações dos princípios universais aos diversos contextos históricos.

2. Sobre o Bem e a Amoralidade. Estou com Berlin. Maquiavel não inaugurou a era da amoralidade política. Isso é um mito. O que ele fez foi outra coisa: trouxe uma ética não-cristã para a Cristandade. Que ética? A ética romana. A ética de estado, da vida pública e não da salvação da alma. Uma ética terrena, de protecção dos nossos concidadãos e não uma ética destina ao aluguer de um pedacinho de céu. Daqui nasceu o cepticismo e o pluralismo do ocidente que temos... O “bem”, se quiseres, está a montante, está no traçar de limites a montante e nunca numa aspiração pelo BEM a jusante. O Bem é sempre expansivo, não tem limites, logo, não é político. Vamos definir BEM em Política? Queres voltar para eras monistas?
Com Maquiavel e Hobbes aprendi uma coisa: os homens precisam de uma Teoria da Injustiça. O “bem”, se quiseres, é a criação de uma base jurídica comum. Uma base que indique os limites que não podem ser ultrapassados (os direitos inalienáveis do indivíduos e nunca o BEM colectivo de uma comunidade). Por tudo isto, a dicotomia de Kristol, tal como a dicotomia dos antigos religiosos que criticavam Maquiavel ("Nós" na posse do BEM versus "maquiavélicos" amorais), é medíocre e maniqueísta.

3. Burke dizia qualquer coisa como isto: o mal só precisa de uma coisa: complacência dos homens bons. Ou seja, ser-se virtuoso não é sinónimo de ser-se possuidor de um Bem (jusante). Ser-se virtuoso significa evitar a emergência de um mal (montante; impedir a injustiça).

4. Concordo com o teu ódio ao paleoconservadorismo isolacionista Mas não podemos traçar uma dicotomia simples entre o intervencionismo neocon e o isolacionismo do Buchanan. Como já disse várias vezes ao Bernardo, pode-se ter uma política externa internacionalista sem excessos idealistas. Uma política à imagem do Iluminismo Americano, céptico e institucionalista, sempre preocupado com a transposição do direito natural para o direito positivo. Universal? Sim. Utópico? Não.