terça-feira, julho 26, 2005

Conforto

Sousa Lobo cometeu o sacrilégio de classificar as Universidades portuguesas, tendo por critério o volume de artigos por investigadores nacionais editados em publicações internacionais. Inúmeros reitores vieram hoje insurgir-se contra o ranking de Sousa Lobo, denunciando o seu critério de avaliação como inválido. Entre todas as críticas hoje publicadas pelo Público, destaco a de Adriano Pimpão da Universidade do Algarve que salienta que:

“A análise sai distorcida porque nas ciências sociais não se publica tanto....Isto não significa que não se dediquem à investigação”

Peço desculpa ao Dr. Pimpão pela minha fanfarronice, mas tenho sérias dificuldades em perceber porque é que um politólogo português não poderá alentar a esperança de um dia publicar no Journal of Democracy ou na Policy Review ( estes investigadores e docentes das Universidades de Leiden e de Siena, bem como o búlgaro Ivan Krastev não parecem ter tido grande dificuldade). Será que um investigador português de Relações Internacionais não poderá ombrear com o grego Kalypso Nicolaïdis do Institut d'Etudes Politiques in Paris, nas páginas da Foreign Affairs. Será que esse mesmo investigador se poderá sentir deslocado nas mesmas páginas da National Interest onde os australianos David Martin Jones e Alan Dupont escreveram sobre a política externa norte-americana e sobre Habermas?
A realidade é que a investigação nacional em Ciências Sociais caiu no conforto securitário do doméstico e do coevo. Duas das melhores análises da França Revolucionária partiram de um americano e de um britânico e, nos anos 60, o francês Albert Silbert publicou inúmeras e admiráveis obras sobre o Portugal Oitocentista. O mesmo se poderá dizer de Kenneth Maxwell, cuja obra A Construção da Democracia em Portugal ( a par de inúmeras outras publicações acerca do Portugal político dos anos 80 e 90) continua inigualável.
No entanto esta é uma estrada de um só sentido. Se passearmos os olhos pelas prateleiras da Fnac ou da Bertrand, reparamos que entre as secções de Ciências Sociais, há uma absoluta ausência de investigação nacional acerca de questões internacionais, globais ou até regionais. Alguns, muito poucos e quase todos de uma nova geração, aventuram-se em temas da construção europeia ou por questões da política externa portuguesa para além da segurança do Arquivo Histórico - Diplomático.
Mas o mercado é escasso e a oferta temática é restrita. Pouco mais se poderá escrever sobre Portugal na Segunda Guerra Mundial (António José Telo encarregou-se de explorar o filão) ou sobre a tributação régia nas duas primeiras décadas do século XIII.
O caminho futuro para a investigação portuguesa em Ciências Sociais passará, obrigatoriamente, pela sua internacionalização e pelo eclipse, progressivo, dos actuais feudos temáticos.
O conforto é fraudulento.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

(Bem sei que o teu post não era só sobre isto, mas)

Tens de admitir que há diferenças entre as disciplinas e que em algumas se publica mais que outras e por isso comparações extra-disciplinares baseadas apenas no número cru de artigos publicados não é valor que se apresente.

Para comparações intra-disciplinares (comparar o departamento de ciência política duma universidade com o mesmo departamento noutra), a conversa já é diferente.

8:37 da tarde  
Blogger José Reis Santos said...

Boa reflexão...

Subscrevo na quase totalidade (a parte do Maxwell é que estraga o ramalhete...).

Agora, também é verdade que o que diz se é mais visível na nossa geração dos hoje e professores. Cabe a nós, jovens investigadores (onde também o incluo), rompermos com esta atitude primária de um estranho nacionalismo académico. Temos, também é verdade que se diga, bons exemplos de internacionalização.

Sigamo-los. (e que nos deixem tentar…)

10:10 da tarde  
Blogger lino said...

Também achei infelizes essas reacções dos reitores. Se é verdade que o volume de publicação varia de área para área e seria mais sério fazer comparações sectoriais, não é compreensível que na universidade, onde o grau de exigência tem de ser sempre elevado, se aceite que para certas especialidades (ciências humanas e sociais, direito, ...) a competição seja a nível paroquial e não universal. Se a prática de um determinado ramo de conhecimentos não tem expressão internacional, talvez não deva estar na universidade. O reitor disse também ao PÚBLICO que as avaliações feitas pela FCT é que eram boas. Sem pôr em causa globalmente as avaliações da FCT, fico com uma dúvida a respeito da qualidade das avaliações realizadas no campo das ciências humanas.

11:09 da tarde  
Blogger Gonçalo Curado said...

Caros camardas,

Contesto, em parte, o método usado por Sousa Lobo, mas a razão para o meu post não foi tanto o ranking mas a contestação à ideia de que um investigador de Ciências Sociais não poderá, não deverá, não conseguirá encontrar mercado internacional para a sua produção académica.

Um abraço para todos

P.S.- Caro José Reis Santos, insisto em Maxwell até me apresentar melhor e não-ideologizada alternativa.

9:13 da manhã  

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