segunda-feira, janeiro 31, 2005
Cometi o erro de encontrar o blog de Morais Sarmento. Não podia coincidir melhor com o seu autor: chama-se Força Interior, o design é grosseiro, a resolução gráfica parece ter sido feita para um monitor VGA de 1989 e ficamos com a impressão de que se nos rirmos, algo vai saltar do ecrã para nos dar uma cabeçada.
Educação panfletária
Nasci meia década depois do PREC, mas a minha juventude sempre ficou marcada pela literatura revolucionária paterna que sobreviveu, esquecida nas estantes. Pode dizer-se que cresci para a esquerda com esta literatura propagandística de títulos tão sugestivos como:
O Desenvolvimento da Agricultura na Albânia
As Cooperativas de Produção na Edificação do Socialismo na URSS de Gfrigori Kuznetsov
A Actividade Jurídica dos Sindicatos Soviéticos de I.S. Dvornikov
A Experiência Histórica do PC da China
Imagens de magistrados e líderes sindicais a legislar pacificamente o pacote laboral e de cooperativas soviéticas em regime de auto-gestão, povoaram a minha infância.
O Desenvolvimento da Agricultura na Albânia
As Cooperativas de Produção na Edificação do Socialismo na URSS de Gfrigori Kuznetsov
A Actividade Jurídica dos Sindicatos Soviéticos de I.S. Dvornikov
A Experiência Histórica do PC da China
Imagens de magistrados e líderes sindicais a legislar pacificamente o pacote laboral e de cooperativas soviéticas em regime de auto-gestão, povoaram a minha infância.
Apesar de, tal como o meu pai, ter optado por uma política mais moderada e democrática, não deixo de sentir alguma saudade dessa propaganda revolucionária.
Hoje, tenho que me contentar com os sound bites do Francisco Loucã que, na IV Internacional Socialista albanesa fez um workshop de reeducação camponesa.
Hoje, tenho que me contentar com os sound bites do Francisco Loucã que, na IV Internacional Socialista albanesa fez um workshop de reeducação camponesa.
Bem vindo Bernardo. Será sempre um prazer contar contigo. O ambiente é, de facto, pluralista e de pura discussão. Para aqueles que sempre tiveram dificuldade em se enquadrar numa estrita lógica partidária de ortodoxia, está aberta a sessão de puro diletantismo, de Direita ou de Esquerda.
(a fotografia não pretende definir os espaço político dos autores deste blog. É apenas o exemplo de um memorável debate)
Direito à descrença
Estas manias de "fossa" permanente, da descrença nas nossas capacidades, do cinzentismo de uma esmagadora maioria, são as coisas que mais me irritam em Portugal.
Também tenho direito à descrença, meus senhores!
Também tenho direito à descrença, meus senhores!
Início
Começo esta colaboração no Sinédrio com uma palavra de agradecimento pelo convite, ao meu grande amigo Gonçalo Curado, mas também de incentivo para que contiunue a escrever tão bem como sempre o fez.
Este é um espaço pluralista. Civilizado e educado. Terá contributos de pessoas de direita - eu, por exemplo - e de esquerda. Acima de tudo é um espaço de debate político, cultural e demais angústias, de pessoas que se identificam profundamente com a democracia, a liberdade e o pluralismo ocidental. O radicalismo ficará de fora. Até porque Auschwitz e o Gulag não foram assim há tanto tempo...
Este é um espaço pluralista. Civilizado e educado. Terá contributos de pessoas de direita - eu, por exemplo - e de esquerda. Acima de tudo é um espaço de debate político, cultural e demais angústias, de pessoas que se identificam profundamente com a democracia, a liberdade e o pluralismo ocidental. O radicalismo ficará de fora. Até porque Auschwitz e o Gulag não foram assim há tanto tempo...
Sharon Stone
Em pleno Fórum de Davos, Sharon Stone levantou-se da assistência e propôs-se a doar 10 mil dólares para a compra de mosquiteiros para a Tanzânia. A presença, a resolução e a projecção mediática de Sharon Stone, cedo transformam a iniciativa num consenso geral e a soma cresceu para 1 milhão de dólares.
É uma medida importante: mosquiteiros são relativamente baratos, facilmente distribuídos e extremamente eficazes.
Isto só prova que os homens têm excelente intuição. Todos nós já, há muito, imaginávamos a Sharon Stone com tecidos rendilhados. Não tenho é a certeza se era um mosquiteiro...
Resta saber se Mário Bettencourt Resendes sempre consegui o seu almoço.
É uma medida importante: mosquiteiros são relativamente baratos, facilmente distribuídos e extremamente eficazes.
Isto só prova que os homens têm excelente intuição. Todos nós já, há muito, imaginávamos a Sharon Stone com tecidos rendilhados. Não tenho é a certeza se era um mosquiteiro...
Resta saber se Mário Bettencourt Resendes sempre consegui o seu almoço.
Reverse Psychology
No Financial Times, David Frum, afirma que se a aliança atlântica se está a desmoronar, a culpa só poderá ser europeia, para grande desgosto americano.
É indiscutível que há uma crise transatlântica e a Europa só deverá declarar-se “guilty as charged”, mas vir um conselheiro da I Administração Bush apontar o dedo e assobiar para o lado também não ajuda.
An open book
Quando o João Pinto do Porto disse que “prognósticos só no fim do jogo”, não estaria a pensar, de certeza, no caso de Luís Delgado. Ontem à tarde, quando fecharam as urnas iraquianas, até já Rui Oliveira e Costa conseguia prever as Linhas Direitas.
Il Padrino
Será sempre uma honra, para esta casa, ser apresentada por um dos pesos pesados da blogosfera nacional.
Grazie Don Pietro
domingo, janeiro 30, 2005
O Velho e o Mar
PCTP/MRPP
Na Liga dos últimos, um Garcia Pereira envelhecido e visivelmente cansado, afirma que “um deputado do PCTP/MRPP viraria a AR de pernas para o ar”. De facto, no pós 25 de Abril, o PCTP/MRPP era um peixe graúdo, tinha uma força política considerável. Hoje, quando o barco chegou à costa, apenas resta o esqueleto.
Ladies night
O ambiente é tenso, mil mulheres povoam a sala com o seu perfume. Todas esperam a atracção da noite, “um homem como nos velhos tempos”, “sedutor”, o marialva que não as deixaria sair do Minipreço sem um piropo e um picar de olho:
“Vejo a menina Rosa e só me apetece ir comprar peitinhos de frango!”
Num espaço apinhado de fêmeas, Pedro está no seu ambiente natural. A febre que o afastou da campanha e de assuntos de Estado é esquecida. Pedro lembra-se de melhores anos capilares, das noites no Trumps, onde uma camisa branca e um bronzeado forçado faziam o furor. Noites onde tudo era mais fácil. Aquele ambiente familiar, o porteiro íntimo a quem dava um aperto de mão e um sorriso comprometedor, como quem diz: “Já sabes que isto hoje vai render para o meu lado”
Hoje é um regresso aos palcos onde nunca falhou, onde sempre esteve à altura das expectativas e as sondagens só lhe podem ser favoráveis. Entre as mulheres desperta em Pedro o seu killer instinct. O peito enche, tempo para um afagar do cabelo para trás, um sorriso matreiro e aquele passo certo de check it out ao ambiente.
Face a este público, a tribuna é para Pedro como um palco para Jim Morrison, espaço para a sedução, para o deleite da audiência, e “talvez não vá sozinho para casa”.
Pedro conhecia a rotina, sabia como conquistar a sala, estava no seu meio natural. Vila Verde é sua. Transfigura-se, fala do que se passa lá fora, no estrangeiro, onde homossexuais corrompem a estrutura familiar nuclear pelo casamento e adopção de crianças. Assusta a sala com a possibilidade de isso acontecer por cá. Fala de socialistas, comunistas e extremistas como prevaricadores da família e da moral. Rejeita caluniar os seus adversários, e assume o seu fair play político: "nunca ofendi nenhum adversário político, nunca respondi, nem respondo, à calúnia com a calúnia, mas se querem entrar pelo conhecimento público desses lados da vida de cada um, só quero dizer que estou inteiramente à vontade".
Chega o clímax, Pedro é um homem a sério, não diz publicamente o que pensa porque tal seria imoral, mas, perante os jornalistas, não se enjeita a deixar cair que “o outro candidato [José Sócrates] tem outros colos. Estes colos sabem bem". Por uma noite a sala é sua e até se pode dar ao luxo de dizer que: "A mim podem virar-me ao contrário e esvaziar-me os bolsos. Não tenho casa própria nem carro e não sou um bom partido". A audiência feminina sabe que não é assim, que este é um homem às direitas que vai salvar Portugal da corrupção moral. Ninguém se lembra de que em tempos passados existia um critério censitário para a eleição para cargos públicos. Em parte, a lógica era que quem não sabia administrar os seus bens pessoais e criar fortuna, não poderia tocar no Erário Público, mas nessa noite ninguém queria saber disso. Afinal, era Pedro, “do tempo em que os homens escolhiam as mulheres para suas companheiras", que ama e seduz o mulherio com artes de tempos esquecidos.
“Vejo a menina Rosa e só me apetece ir comprar peitinhos de frango!”
Num espaço apinhado de fêmeas, Pedro está no seu ambiente natural. A febre que o afastou da campanha e de assuntos de Estado é esquecida. Pedro lembra-se de melhores anos capilares, das noites no Trumps, onde uma camisa branca e um bronzeado forçado faziam o furor. Noites onde tudo era mais fácil. Aquele ambiente familiar, o porteiro íntimo a quem dava um aperto de mão e um sorriso comprometedor, como quem diz: “Já sabes que isto hoje vai render para o meu lado”
Hoje é um regresso aos palcos onde nunca falhou, onde sempre esteve à altura das expectativas e as sondagens só lhe podem ser favoráveis. Entre as mulheres desperta em Pedro o seu killer instinct. O peito enche, tempo para um afagar do cabelo para trás, um sorriso matreiro e aquele passo certo de check it out ao ambiente.
Face a este público, a tribuna é para Pedro como um palco para Jim Morrison, espaço para a sedução, para o deleite da audiência, e “talvez não vá sozinho para casa”.
Pedro conhecia a rotina, sabia como conquistar a sala, estava no seu meio natural. Vila Verde é sua. Transfigura-se, fala do que se passa lá fora, no estrangeiro, onde homossexuais corrompem a estrutura familiar nuclear pelo casamento e adopção de crianças. Assusta a sala com a possibilidade de isso acontecer por cá. Fala de socialistas, comunistas e extremistas como prevaricadores da família e da moral. Rejeita caluniar os seus adversários, e assume o seu fair play político: "nunca ofendi nenhum adversário político, nunca respondi, nem respondo, à calúnia com a calúnia, mas se querem entrar pelo conhecimento público desses lados da vida de cada um, só quero dizer que estou inteiramente à vontade".
Chega o clímax, Pedro é um homem a sério, não diz publicamente o que pensa porque tal seria imoral, mas, perante os jornalistas, não se enjeita a deixar cair que “o outro candidato [José Sócrates] tem outros colos. Estes colos sabem bem". Por uma noite a sala é sua e até se pode dar ao luxo de dizer que: "A mim podem virar-me ao contrário e esvaziar-me os bolsos. Não tenho casa própria nem carro e não sou um bom partido". A audiência feminina sabe que não é assim, que este é um homem às direitas que vai salvar Portugal da corrupção moral. Ninguém se lembra de que em tempos passados existia um critério censitário para a eleição para cargos públicos. Em parte, a lógica era que quem não sabia administrar os seus bens pessoais e criar fortuna, não poderia tocar no Erário Público, mas nessa noite ninguém queria saber disso. Afinal, era Pedro, “do tempo em que os homens escolhiam as mulheres para suas companheiras", que ama e seduz o mulherio com artes de tempos esquecidos.
O PREC que nos une
oeiras
Enquanto estive em Moçambique, sempre achei divertida a toponímia revolucionária que criou aberrações como a Av. Mao Tse-Tung ou a Praça Che Guevara. Dava uma piada do caraças ter uma morada postal como Rua Vladimir Ilich Lenin nº58 .
Voltei a Portugal e esqueci este quotidiano revolucionário até que hoje fui comprar o jornal à Av. Salvador Allende- em Oeiras.
sábado, janeiro 29, 2005
Sai uma máquina do tempo para o senhor da mesa 4!
Hoje, comprar um jornal é aderir a todo um conjunto de pacotes promocionais e brindes coleccionáveis. O Público teve a sua colecção de grandes obras literárias, A Bola e O Record costumam ter os seus suplementos das glórias passadas do nosso futebol, mas hoje fiquei a saber que também o Expresso aderiu a esta crescente táctica de marketing.
Entre suplementos inúteis, CD’s e pacotes promocionais, o “semanário do saco de plástico” traz o primeiro fascículo do que deve ser uma colectânea de História das Ideias. Na página 10 do caderno principal encontro Jerónimo de Sousa, alma de Pirescoxe e afinador de máquinas em décadas sabáticas, num primoroso regresso cénico ao discurso que hoje só se admitiria naqueles pilotos japoneses que durante a II Guerra Mundial se despenharam numa ilha deserta.
De punho erguido Jerónimo de Sousa (que, curiosamente, se parece muito com aquele senhor que no outro dia vi a defender os interesses das classes média e alta num debate televisivo), retira o pó ao livrinho de Citações do Presidente Mao para afirmar a sua irredutível confiança na validade do marxismo-leninismo para o século XXI.
Os meus olhos começam a ficar cansados, bocejo, divago por sonhos de tornos mecânicos únicos na Europa. Jerónimo de Sousa incorpora a primeira base de dados ideológicos da História. Se existe algo parecido com um Microsoft Access para comunistas, aí está ele.
Só depois de muita invocação das “forças progressivas”, do “grande capital” e referências aos “camaradas”, encontrei algo que me despertou como um balde de água fria:
EXP- Como o seu camarada Domingos Abrantes, também pensa que a queda da URSS foi “uma enorme tragédia para o mundo”?
J.S.- E foi e foi... segue-se um longo monólogo doutrinário que Charlie Brown resumiria como Blá, Blá, Blá, para abrir caminho para a assustadora punch line:
EXP- A actual Coreia do Norte não é um embaraço para o PCP?
J.S.- ...num momento em que, à escala planetária, o capitalismo tenta impor o seu poder absoluto, quem resiste a essa ordem única merece atenção e acompanhamento. Valorizamos esse facto, sem silenciar as diferenças.
Última Hora, nova entrada no Dicionário da Língua Portuguesa- “diferenças”: 1-megalómano com desdobramento de personalidade ao comando de um país pauperizado e faminto; 2- armas nucleares em mãos inconscientes; isolamento internacional; Estado falhado. Engraçado, apesar da vitalidade do seu punho erguido, Jerónimo de Sousa parece sofrer de Alzeihmer com toques de autismo.
Entre suplementos inúteis, CD’s e pacotes promocionais, o “semanário do saco de plástico” traz o primeiro fascículo do que deve ser uma colectânea de História das Ideias. Na página 10 do caderno principal encontro Jerónimo de Sousa, alma de Pirescoxe e afinador de máquinas em décadas sabáticas, num primoroso regresso cénico ao discurso que hoje só se admitiria naqueles pilotos japoneses que durante a II Guerra Mundial se despenharam numa ilha deserta.
De punho erguido Jerónimo de Sousa (que, curiosamente, se parece muito com aquele senhor que no outro dia vi a defender os interesses das classes média e alta num debate televisivo), retira o pó ao livrinho de Citações do Presidente Mao para afirmar a sua irredutível confiança na validade do marxismo-leninismo para o século XXI.
Os meus olhos começam a ficar cansados, bocejo, divago por sonhos de tornos mecânicos únicos na Europa. Jerónimo de Sousa incorpora a primeira base de dados ideológicos da História. Se existe algo parecido com um Microsoft Access para comunistas, aí está ele.
Só depois de muita invocação das “forças progressivas”, do “grande capital” e referências aos “camaradas”, encontrei algo que me despertou como um balde de água fria:
EXP- Como o seu camarada Domingos Abrantes, também pensa que a queda da URSS foi “uma enorme tragédia para o mundo”?
J.S.- E foi e foi... segue-se um longo monólogo doutrinário que Charlie Brown resumiria como Blá, Blá, Blá, para abrir caminho para a assustadora punch line:
EXP- A actual Coreia do Norte não é um embaraço para o PCP?
J.S.- ...num momento em que, à escala planetária, o capitalismo tenta impor o seu poder absoluto, quem resiste a essa ordem única merece atenção e acompanhamento. Valorizamos esse facto, sem silenciar as diferenças.
Última Hora, nova entrada no Dicionário da Língua Portuguesa- “diferenças”: 1-megalómano com desdobramento de personalidade ao comando de um país pauperizado e faminto; 2- armas nucleares em mãos inconscientes; isolamento internacional; Estado falhado. Engraçado, apesar da vitalidade do seu punho erguido, Jerónimo de Sousa parece sofrer de Alzeihmer com toques de autismo.
O Livro Cinzento do Comunismo
Ontem, à noite, substituí o habitual Expresso da Meia Noite na SIC Notícias pela estreia do Até Amanhã Camaradas e até à uma e meia da manhã recordei páginas de heróis subversivos e revolucionários que operam na clandestinidade. O Século XX português não pode passar ao lado ou menosprezar o contributo histórico do PCP e das seus anónimos e clandestinos nomes, mas também seria erróneo desconsiderar o compêndio ideológico que é esta obra.
Se ao Até Amanhã Camaradas juntarmos outros títulos da bibliografia de Cunhal como Um Risco na Areia ou Sala 3 e outros contos, as mentes mais libertárias e menos ortodoxas compreenderão que aquela comichão intelectual que nos acompanhou as acompanhou ao longo das primeiras páginas era algo mais do que o resultado das radiações do telemóvel.
Após algumas páginas, aquele mundo de “amigos”, “camaradas” e “controleiros” começa a ser conceptualizado numa orgânica de Partido, de Colectivo. Qualquer fuga à ortodoxia partidária, progressivamente, passa a ser vista como fazer sexo num filme de terror: um erro fatal!
Esta, sempre presente, imolação ideológica começa, mesmo, a fazer sentido e o leitor passa a pensar nas personagens como um colectivo, como a expressão comum de uma ideia que suplanta a simples existências e dramas individuais. Por isso é que a obra de Manuel Tiago é mais do que literária, é política e biográfica.
Mais do que Daniel o Revolucionário de Pacheco Pereira, ler Manuel Tiago é conhecer o betão ideológico que é Álvaro Cunhal. Uma obra literária não poderia ser apenas uma obra literária, o intelecto e a criação plástica de um enredo só poderia estar ao serviço do Partido e da Revolução. Qualquer fuga seria demasiado expontânea, livre, individual.Tal como os manifestos grevistas impressos nos sótãos da clandestinidade, também Manuel Tiago é o sótão artístico de Álvaro Cunhal onde “o amigo” letrado trabalha para o Partido.
Se ao Até Amanhã Camaradas juntarmos outros títulos da bibliografia de Cunhal como Um Risco na Areia ou Sala 3 e outros contos, as mentes mais libertárias e menos ortodoxas compreenderão que aquela comichão intelectual que nos acompanhou as acompanhou ao longo das primeiras páginas era algo mais do que o resultado das radiações do telemóvel.
Após algumas páginas, aquele mundo de “amigos”, “camaradas” e “controleiros” começa a ser conceptualizado numa orgânica de Partido, de Colectivo. Qualquer fuga à ortodoxia partidária, progressivamente, passa a ser vista como fazer sexo num filme de terror: um erro fatal!
Esta, sempre presente, imolação ideológica começa, mesmo, a fazer sentido e o leitor passa a pensar nas personagens como um colectivo, como a expressão comum de uma ideia que suplanta a simples existências e dramas individuais. Por isso é que a obra de Manuel Tiago é mais do que literária, é política e biográfica.
Mais do que Daniel o Revolucionário de Pacheco Pereira, ler Manuel Tiago é conhecer o betão ideológico que é Álvaro Cunhal. Uma obra literária não poderia ser apenas uma obra literária, o intelecto e a criação plástica de um enredo só poderia estar ao serviço do Partido e da Revolução. Qualquer fuga seria demasiado expontânea, livre, individual.Tal como os manifestos grevistas impressos nos sótãos da clandestinidade, também Manuel Tiago é o sótão artístico de Álvaro Cunhal onde “o amigo” letrado trabalha para o Partido.