segunda-feira, outubro 31, 2005

Uma grande senhora das cantigas


Esta é uma das minhas preferidas. Das cantigas, claro (palavra dedicada ao Adolfo).

"A" minha preferida é outra. Ela sabe quem é.

Dynamite!

Depois de Jim Morrison, a “Grafonola do Sinédrio” salta de uma vaga revivalista para 1999 e para um dos melhores álbuns dos The Roots, Things Fall Apart.
Com toques de acid jazz, “Dynamite!” como soundtrack, pelo menos até outro camarada Sinédrio tomar conta da ocorrência.

domingo, outubro 30, 2005

Se Deus existe, então, anda por aqui


O Azul, como todas as obras-primas - seja em que arte for - é uma experiência religiosa. Não há melhor forma de descrever a forma como a Arte toca aqui, no útero da alma, aqui, no fundo arenoso que é a redenção. Quando é assim esmagadora, quando nos devolve à fragilidade da infância, a Arte é uma experiência religiosa. É um começo. Apesar de tudo, ainda há uns quantos começos, Professor Steiner.

[Henrique Raposo]

Argentina - uma relação platónica

Tenho uma estranha relação platónica com a Argentina. Quando se pronuncia a palavra Argentina, sinto um arrepio orgásmico na parte das células maternais (sim, não há “células maternais”, mas são 9.30 da manhã e daqui a pouco vou ter de escrever sobre os rebeldes do Burundi, por isso acho que posso jogar com outro baralho por um bocadinho; também não sei se existe “orgásmico”, mas também não quero saber, dado que daqui a pouco vou ler sobre a importância estratégica de Guam, onde, certamente, não existe nada de orgásmico).
Mas porquê esta relação? Três razões:




PS: peço desculpa pela acentuada postura pós-moderna deste post. Mas são 9.30 e ainda não bebi café.

PS: esta é uma paixão partilhada pelo camarada Bruno…

Eu dou-te o L. casei Imunitass! Literalmente!

Um dos meu primeiros passos profissionais remunerados passou por enfiar um Actimel gigante na cabeça e andar aos saltos pelo Vasco da Gama.
Actimel once ergo Actimel para sempre....
Estou agora disponível em aromas de tuti-fruti, morango e baunilha.

“A Grafonola do Sinédrio”


E aí está! O Sinédrio inaugura finalmente o seu espaço musical, já aqui na barra lateral direita. Jim Morrison deixa um testamento poético e monopoliza os primeiros passos da grafonola.

Pegadas na areia

Camarada Henrique, a verdade é que nunca te deixei sozinho. Quando só viste um par de pegadas na areia foi quando eu te peguei ao colo. Tinhas adormecido no sofá a ver o Nosferatu do Murnau.

Um grande abraço

sábado, outubro 29, 2005

Mais Panteão







Chirico, Murnau, Camus.

Com um abraço para o grande António do "Arte da Fuga".

The Comeback Kid and his posse at work


A seguir ao almoço, durante o café, senti um breve tremor a correr-me pela espinha. Por momento pensei que fosse frio ou gripe, mas afinal era só o Expresso que estava ligeiramente soarista...

A aura maldita de Egon Schiele

"Egon Schiele"
by Ikuko (2000)

O Oriente das Patacas


O Independente de ontem fala do envolvimento do actual Ministro da Justiça, Alberto Costa em tráficos de influência em Macau. Independentemente da veracidade da manchete, esta só vem confirmar uma coisa: Macau tornou-se, na consciência política nacional, um local obscuro e sombrio.
Em Portugal não se pode mencionar a palavra “Macau” sem que uma geração de poder não sinta calafrios.

Omnipresente


Salvo raras excepções, qualquer autor francês contemporâneo, esteja a escrever sobre física nuclear ou sobre papagaios de vento, tem sempre algo a dizer sobre política externa norte-americana. Seja alugares no texto, seja em nota de rodapé, seja na bibliografia, seja escrito a tinta de limão...

quinta-feira, outubro 27, 2005

Divindades





Quando me perguntam se acredito em Deus, costumo dizer que “não” e que “sou agnóstico” (quando era puto, tinha a mania que era ateu. Deixei de o ser quando o Bruno me explicou que ser-se ateu também é uma condição absoluta).

Mas, às vezes, digo que "sim". “Sim, sou crente. Tenho uma crença politeísta”. E estes são os meus deuses. Apresento este panteão na certeza de que amanhã poderei apresentar outro completamente diferente. São as vantagens do politeísmo.

O Meu Candidato











Não. Não é o indivíduo que está no canto superior esquerdo.
(imagem gentilmente cedida pelo enorme Victor Lazlo, da agência Frangos Para Fora. Para ti o meu bem-haja, Victor!)

Forza Ragazzi!

Ontem houve festa no Meazza.
Il Dio desceu mais uma vez à Terra. Grazie Don Francesco.

Hoje, Atlântico nº8

Entre outros:

«A Terra dos Condenados», Luciano Amaral

«Os Repórteres de si Mesmos», Helena Matos

«O Silêncio de Guterres», Joaquim Aguiar

«A Turquia na UE», José Pedro Teixeira Fernandes

«Mudanças Climáticas: Ciência, Política e Liberalismo», João Miranda

«Lisboa e o Terramoto de Pombal», Pedro Picoito

«Império Americano ou o Regresso do Império Britânico?», Henrique Raposo

«A Lente da Esquerda», Bernardo Pires de Lima

«Couve-de Bruxelas», Henrique Burnay

«Kamasutra», Vítor Cunha

«A Factura de Kings Road», João Cepeda

quarta-feira, outubro 26, 2005

A Casa do Pó

Quem escreverá os discursos eleitorais de Mário Soares, o Major Mário Tomé, José Mário Branco? Fica a leve sensação de que alguém pegou no manual de candidatura de 86, soprou-lhe o pó e recolocou-o em circulação. Passa agora a incluir na primeira página uma errata: “onde se lê Freitas do Amaral, leia-se Cavaco Silva”.
Para mim este é um exercício histórico bestial. Não era ainda nascido em 74/75 e de 86 só me lembro vagamente do Mundial do México, mas estou desejoso de passar pela Portela e encontrar barricadas contra uma “Maioria Silenciosa”.



Pure Roots Reggae x 4 + African Variations

terça-feira, outubro 25, 2005

O aluno aplicado

A direcção de campanha de Mário Soares foi profundamente incapaz de compreender o momento político e público nacional que privilegia uma institucionalização do rigor em figuras de poder com uma visão clara para o futuro.
A maioria absoluta de José Sócrates não lhe devia ter deixado dúvidas nesse ponto. Mas a apresentação pública da candidatura presidencial de Soares foi um discorrer de déjà vu deprimente, de reunião da arcaica Esquerda socialista, bloquista e sindicalista com figuras de um esquecido passado nacional.
Nos anos 80 ou 90 esta fórmula de candidatura colectiva apoiada na afabilidade pública de Soares poderia surtir efeito, mas hoje ela está definitivamente ultrapassada.
A agenda soarista poderá falar de “personalização do poder”, de “paternalismo” ou de “presidencialização do regime” com Cavaco Silva mas a realidade eleitoral sofreu sérias mutações. Três décadas depois de Abril e em hora de necessidade uma dicotomia Esquerda/Direita como agenda eleitoral terá pouco efeito e a escolha será feita com base no rigor institucional do candidato, sem margem para grandes cargas ideológicas
Mário Soares foi suficientemente inteligente para não se deixar filmar enquanto Cavaco Silva apresentava a sua candidatura. A verdade é que, como qualquer aluno aplicado, também ele rabiscou apontamentos da lição de quinta-feira.
Hoje, Soares apresentará o seu manifesto eleitoral numa sala vazia de caras das décadas de 80 e 90, mas não escapará a nova sensação de déjà vu, desta vez face à apresentação da candidatura de Cavaco Silva.
A realidade de que Soares não conseguirá esconder é que a sua candidatura presidencial tem como única motivação uma reacção face Cavaco Silva, cujo passo tenta desesperadamente acompanhar.

Tenacidade

Rosa Parks, 1913-2005

segunda-feira, outubro 24, 2005

A jogar no “centrão”

Quando uma facção interna obtém maior visibilidade política que a própria liderança do partido, estamos perante uma crise óbvia. Se juntarmos às dissonâncias internas, o progressivo eclipse eleitoral do CDS/PP, compreendemos que a queda do executivo PSD/PP obrigou ao fecho um ciclo interno que tomou a cúpula de Paulo Portas de surpresa. Independentemente da facção que o protagonizará, o CDS-PP tem obrigatoriamente que se imiscuir na corrida presidencial. Ao fazê-lo colocará Cavaco Silva “a favor do vento”.
Progressivamente desmarcado da Direita formal, Cavaco Silva terá toda a capacidade para conquistar o mesmo eleitorado que deu uma maioria absoluta a José Sócrates.
Não é nenhum segredo a fórmula para ganhar eleições em Portugal: retórica de protecção social e de minimalismo fiscal; austeridade orçamental; progressiva abertura de mercado; aposta na modernização e formação profissional. A política externa está maioritariamente ausente, embora seja comum falar-se de “multilateralismo” e “consenso”. Esse é o centro ideológico e eleitoral nacional e é aí que Cavaco Silva terá de manobrar.
O centro nacional é dicotómico: por um lado é o espaço natural do PSD e do PS, por outro lado, grande parte da sua expressão eleitoral está up for grabs.
Para Cavaco Silva chegou a altura da colheita.

Aznavour

Virtualidades do passado e do futuro

É recorrente usar o passado político e cívico do candidato como moldura moral na corrida eleitoral. Nos Estados Unidos, a experiência de John Kerry no Vietname acompanhou toda a campanha presidencial. Em Portugal, o formato foi primeiro encomendado a António Tabucchi que discorreu sobre o passado de luta anti-fascista que separa Mário Soares e Cavaco Silva. Agora, Jorge Coelho avança para a década de 80 e recorda uma virtual oposição de Cavaco Silva à entrada de Portugal para a CEE.
O currículo político do candidato é sempre um ponto essencial. Foi, aliás, a ausência de uma etiqueta de “clandestinidade anti-fascista” que demoveu o PS de apresentar António Guterres ou António Vitorino como candidatos moralmente viáveis.
Só quem hibernou nas décadas de 80 e 90 é que poderá duvidar da postura proactiva de Cavaco Silva face às Comunidades Europeias. As duas maiorias absolutas de Cavaco Silva, não só traduziram a integração europeia de Portugal em modernização económica e social do país como amplificaram o peso internacional do Estado pela sua presença activa tanto na CEE como na Aliança Atlântica.
A realidade é que em Janeiro não iremos eleger um director para o Museu República e Resistência mas um Presidente da República com um projecto e uma ideia para o futuro.
Se o debate eleitoral se centrar nas memórias da “voz de Argel” ou do exílio parisiense, o passaporte da democracia portuguesa para a idade adulta será, mais uma vez, adiado.

”New Tory”?

Com a sucessão de Tony Blair demasiado concentrada em Gordon Brown, eliminam-se soluções para o longo curso Labour. No entanto, a continuidade da “fórmula Blair” parece assegurada com David Cameron.
Um “new Tory”?

Adeus

Pensou em Santa Teresa. Um amor tão carnal que o enviasse sem demoras para os braços de Deus. Apagou a luz. Antes de sair ainda olhou para trás. O corpo jazia no chão. Na penumbra, o fio de sangue no canto da boca podia ser outra coisa mas era apenas amor.

domingo, outubro 23, 2005

Étoile

Star

sábado, outubro 22, 2005

Bus

Gritos na paragem de autocarro. O atraso é de ¾ de hora. Fuma-se muito. Chega, enfim, o autocarro. A turba, onde a custo se distinguem pretos, empregadas da Zara e funcionários públicos, aproxima-se da porta. O prudente Vladimir mantém-na fechada. Mais gritos. Impropérios. Sócrates é metido ao barulho. Reclama-se por um putsch. Velhos cardíacos brandem bengalas indignadas. Um diz que tem armas de fogo para o que der e vier. Dois diz-se pronto a arremessar pedras aos carros-patrulha. Parece que o mundo foi tomado por garcias-pereira. Grita-se “UDP!” Aplausos. Mais palavras de ordem. Aplausos. “Salazar!” Aplausos. Rasgam-se passes e, por engano, um cartão de leitor da Biblioteca Municipal da Moita. Vladimir, com uma impassibilidade soviética, abre a porta ao bando de sem-carro próprio. Lançam-se como nem os egípcios atrás dos judeus, não vá a porta fechar-se antes de consumada a vingança. Gritos. Gritos. Gritos. Alguém tenta entrar sem pagar mas as tatuagens no braço de Vladimir desaconselham medidas tão arrojadas. Entra o último passageiro. Fecha-se a porta. A gritaria estilhaça-se em diálogos do sub-género “é-sempre-a-mesma-coisa” ou “ainda-a-semana-passada-me aconteceu-isto”. Silêncio à medida que o autocarro sai de Lisboa. Exaustos, os contestatários sossegam embalados pela voz de João Marcelo, a quem a Romântica FM presta homenagem.

Perder

Tenho mau perder. Desde pequeno. Uma virtude genética. Perder num jogo de balizas pequenas era uma tragédia. Lágrimas, uivos, relva na boca. Um caso de psiquitaria. Em vez do divã, tratamento de choque caseiro sob a égide de Nosso Senhor de Coubertin: “Perder e ganhar, etc...” Tretas.

A minha dor: coroas de louros que iam, altivas, adornar cabeças que não a minha, de todas a mais merecedora de glórias.

O meu mau perder era testado amiúde, como se Deus me quisesse dizer alguma coisa. Eu estava surdo de ambição e cólera. Resistia à divindade, às evidências e à civilização.

Quando temos dez anos, perder é uma violação. Com aquela idade, lidar bem com a derrota não é sinal de maturidade, é sintoma de anemia espiritual, de um enfezamento da vontade comum em futuros escritores e outros degenerados. Quando o negócio é a derrota continuo a ter dez anos.

Perder, nem a feijões. Aliás, se preciso fosse provar a nossa natureza agonística que melhor prova do que os jogos a feijões, a botões, a caricas? Ganhar, ganhar, como dizia Paulo Futre. Outro maníaco, Baudelaire, escreveu que “a vida só possui um verdadeiro fascínio: o do jogo”.
Que se lixe o fair-play! Quando se trata de ganhar, vale tudo. Até, em último recurso, jogar limpo.

sexta-feira, outubro 21, 2005

“Multiple Bogies, unfriendly territory!”

quinta-feira, outubro 20, 2005

Veja

Melhor do que ficção. Pior do que realidade.

A reportagem do jornalista João Gabriel de Lima sobre a morte do prefeito petista Celso Daniel é Rubem Fonseca. Um assombro.

E temos direito a esta frase: "Além disso, Sérgio tornou-se consultor de Ronan na área de coleta de lixo, atividade pela qual os petistas nutrem uma curiosa atração". Não é que cá em Portugal os corruptos também adoram o negócio do lixo?

Prova de vinhos: alguns conselhos práticos

Numa prova de vinhos, é fundamental seguir alguns pressupostos básicos para que o néctar seja apreciado em toda a sua plenitude.
Em primeiro lugar, a sala de prova deve estar bem iluminada e a toalha da mesa deve ser branca, para que a verdadeira cor do vinho se mostre; a temperatura deve rondar os 18 a 20ºC, para que a prova seja agradável e não haja um aquecimento rápido do vinho; a sala deve estar isenta de aromas, como tabaco, flores, comida, perfumes, aftershaves, para que estes não confundam o nariz do provador.
Em segundo lugar, a prova deve decorrer antes das refeições, pois, nestas alturas, a sensibilidade do provador é maior. No entanto, se a prova acontecer durante a refeição, há que ter o cuidado de nunca comer ou beber algo muito frio, antes de iniciar a prova, para não perder a capacidade gustativa.
Em terceiro lugar, a escolha dos copos adequados é essencial. Assim, o vidro do copo deve ser incolor, para que os matizes e reflexos do vinho sejam bem visíveis; o bordo deve ser fino, para que a degustação seja eficaz; o corpo do copo deve estar separado do pé plano por uma coluna de vidro, para evitar que o vinho aqueça, ao segurá-lo; as formas devem ser ovais, em tulipa, balão ou de prova, pois, sendo ligeiramente fechadas, permitem uma concentração perfeita dos odores. Apesar de se poder usar o copo normalizado para prova de todo o tipo de vinhos, é aconselhável utilizar copos diferentes, consoante o tipo, para se extrair o máximo de cada um. Assim, o copo para vinhos brancos deve ser mais pequeno do que o de tinto; o copo para grandes vinhos, velhos ou encorpados deve ser o maior de todos; para espumantes deve usar-se só a flûte e nunca as taças, para não se perder a bolha.
Em quarto lugar, a temperatura deve ser ajustada a cada tipo de vinho. Assim, aconselha-se as seguintes temperaturas: vinho espumante – 6 a 8ºC, vinho branco – 8 a 10ºC, vinho branco menos novo ou fermentado – 12ºC, vinho tinto novo – 12 a 16ºC, vinho tinto encorpado ou mais velho – 18ºC.
E muito mais haverá por dizer...

Xenolatria

O português não é xenófobo. É xenólatra. Para o português médio o facto de um alemão saber falar alemão comprova a superioridade intelectual dos germânicos.

É desta premissa, da xenolatria lusa, que parte aquele spot que promove Portugal aos portugueses. Uma voz sem rosto fala num idioma estranho. Sucedem-se imagens das belezas naturais e arquitectónicas do nosso país. Qualquer português acredita que este é o país para passeios e férias. Os políticos falam. Muito e em português. Ninguém se convence de que o país de que falam é bom para nele se viver. Understand?

Sócrates percebeu a mensagem. Quer que desde o primeiro ciclo os portugueses aprendam inglês. No dia em que os nossos políticos falarem noutra língua o povo fará as pazes com eles. Sampaio, por exemplo. Ninguém percebe os discursos do Presidente, excepto quando ele aparece na CNN a falar inglês. Aí, os portugueses rendem-se.

Outro exemplo é quando um estrangeiro começa a exprimir-se em português. Acham-lhe piada e, simultaneamente, perdem-lhe o respeito. Desvanece-se a aura de intangibilidade.
Conclusão: a língua portuguesa, pela estrutura fonética e por ser falada por portugueses, não impõe respeito a ninguém.

Manifesto

Manuel Alegre deveria estar preocupado. Segundo o DN, há por aí um manifesto de apoio à sua candidatura subscrito “por meia centena de personalidades dos meios artístico, literário e universitário”. Isto é, uma corja.

Estas iniciativas aparecem como espontâneas mas seguem regras estritas.

Regra Primeira: o número de subscritores não deve ser inferior à dezena nem superior às centenas. Se a notícia fosse “mais de meio milhar de personalidades, etc...” não teria credibilidade. Desde logo, porque não há em Portugal meio milhar de personalidades. Depois, os jornais portugueses só recorrem à unidade de terceira ordem em contagens de vítimas de catástrofes naturais e de manifestantes no Terreiro do Paço. Meia centena é, segundo os especialistas, o ideal.

Regra Segunda: se o candidato é de esquerda, Eduardo Prado Coelho faz parte da meia centena. Aliás, Prado Coelho é metade da meia centena.

Regra Terceira: o conjunto de subscritores deve ser heterogéneo. Neste caso, sendo Jorge Palma um deles, Morais Sarmento terá mesmo de apoiar Cavaco (não é permitida a inclusão de dois ex-boxeurs na lista).

Existem outras regras mas estas são as principais e não se encontram sujeitas a alterações.
Penso, no entanto, que a bem da literatura a Constituição deveria estabelecer um número máximo de poetas que podem subscrever estes manifestos.

Compaixão

Agora que o coruchense se demitiu não hão-de faltar elogios à competência técnica, à honestidade intrínseca, ao rigor científico, enfim, à irremediável mediocridade de Peseiro.

A cara de Peseiro inspira compaixão. Aquela compaixão que nos faz dar esmola. No Sporting, a única função que a cara de Peseiro merecia está ocupada pelo Paulinho.

Em cada gesto Peseiro grita, não, Peseiro geme, não, Peseiro murmura “II Divisão B”.

Se não tivesse sido treinador do Sporting, Peseiro seria uma história humana digna dos programas matinais de televisão. A cara de Peseiro é, por si, um drama humano. Um telefilme baseado em factos verídicos.
Como devem ter sido difíceis a Liedson, a Rochemback, a Polga, os insultos a Peseiro. É o mesmo que burlar velhinhas. Não se faz.
Peseiro, verdade seja dita, mereceu cada um dos abraços fraternais que recebeu de Dias da Cunha. Não posso dizer mais de um homem em comparação com o qual até João Moutinho parece ameaçador.

Cabelo

Cristiano Ronaldo e Abel Xavier podem estar descansados. Segundo a imprensa britânica, as suspeitas de doping e violação recaem apenas sobre o cabelo de Xavier.
O cabelo de Xavier já tinha sido acusado de manter relações sexuais com uma peruca menor. Ficaram famosas as fotografias em que o cabelo, visivelmente alterado, aparecia com ganchinhos cor-de-rosa.
Desgrenhado e sujo, o cabelo do internacional português prestou declarações à Scotland Yard e arrisca-se a ter de cumprir uma pena permanente ou à extradição para a cabeça de Snoop Doggy Dogg.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Cavaquista desde o primeiro Game Boy

Curiosamente, sempre preferi o Rick Dangerous ao Super Mário.

That Cool Melo Flow

Já aí anda o novo álbum de Melo D (Chega de Saudade) que, juntamente com os Cool Hipnoise, é uma das maiores novidades do panorama musical nacional. O leitor mais incauto poderá perguntar: “Mas Melo D e Cool Hipnoise não são praticamente a mesma coisa?”
Não. É a diferença entre ver o Pedro Barbosa a jogar em Alvalade e o teres no teu quintal a brincar com a bola.

P.S.- O álbum anterior de Melo D, Outro Universo, está disponível online na página da Loop: Recordings.

domingo, outubro 16, 2005

Absurdo

“(...) dans un univers soudain privé d’illusions et de lumières, l’homme se sent un étranger. Cet exil est sans recours puisqu’il est privé des souvenirs d’une patrie perdue ou de l’espoir d’une terre promise."
Albert Camus, Le Mythe de Sisyphe
Significa isto que o homem absurdo é o homem emancipado das duas narrativas estruturantes (é a primeira vez que a expressão “narrativas estruturantes” é utilizada fora dos portões de uma conhecida faculdade da Avenida de Berna) do pensamento ocidental: a de Ulisses e a do povo Judeu. Sem Pátria à qual regressar e sem Terra Prometida para alcançar. Sem nostalgia e sem esperança, resta o absurdo.

Hate Male

Sou um frustrado. Frustrado, em linguagem blogosférica, é alguém que não recebe hate mail. Eu esforço-me, esforço-me a sério, mas tudo o que consigo é que as Lianas, as Janices e as Britneys deste mundo se ofereçam para me aumentar o pénis. E pelo menos até eu descobrir que alguma delas me conhece arrumarei estes generosos mails na pasta de publicidade enganosa. Enquanto isso não acontecer continuarei frustrado, sem hate mail e impossibilitado de pedir meças ao Rocco Sifredi.

sábado, outubro 15, 2005

Parra, Nicanor

Frases*

No nos echemos tierra a los ojos
El automóvil es una silla de ruedas
El león está hecho de corderos
Los poetas no tienen biografía
La muerte es un hábito colectivo
Los niños nacen para ser felices
La realidad tiende a desaparecer
Fornicar es un acto diabólico
Dios es un buen amigo de los pobres.

*Poema gentilmente furtado ao anti-poeta chileno Nicanor Parra

Filho

Desde o nascimento do meu filho que vivo com medo. Não é um medo paralisante, agudo, violento. É um medo de fundo, um medo constante, um medo-rotina. Amparo o meu filho na febre e os braços que o seguram, que existem para protegê-lo, têm medo. Não valem nada. Nada podem.

Desde o nascimento do meu filho que vivo com alegria. É, por vezes, uma alegria doida, festiva, inebriante. É, sempre, uma alegria de fundo, uma alegria constante, uma alegria que conheço, que se renova, que reconheço. Amparo o meu filho na febre e os braços que o seguram, que existem para protegê-lo, não têm medo. Não há nada que estes braços não possam.

Nota: o filho de Bruno Vieira tem oito meses, 11 quilos, um dente quase, e por isso não se responsabiliza pelos súbitos ataques de lamechice paternal do seu progenitor. Nega também eventuais acusações que, em virtude do seu sorriso, o possam dar como co-autor deste post.

Filme

O meu próximo projecto cinematográfico é de cariz bergmaniano. Uma reflexão lúgubre sobre o destino do Homem, o seu lugar no Universo e a gripe das aves.

Após uma missão de ano e meio no Iraque, Edward Smith regressa à sua terra natal e desafia a Morte para jogar às escondidas. Se Edward ganhar, a Morte terá de lhe arranjar um bom seguro de saúde. Se Edward perder, a Morte recebe um vale de desconto no Starbucks.

Edward perde mas alega que a Morte fez batota e que para além disso o visto de permanência caducou. Seguem-se cenas kafkianas em que a Morte se vê derrotada pela Burocracia e pelo facto de apenas falar castelhano. Estou a preparar uma cena antológica em que a Morte, rodeada de cubanos, é extraditada para o Togo.

A par da intriga principal decorre um quadro mais intimista que mostra a degradação do casamento de Edward e da jovem Edna, que apanha gripe das aves depois de atacar um peru à dentada. O peru, animal de estimação de Edward, é o símbolo da masculinidade deste e seria também uma bela refeição se não tivesse adoecido. No leito de morte de Edna, Edward jura-lhe que ela foi a única mulher que ele amou e promete-lhe que ele e um amigo lá da tropa cuidarão do filho de ambos. A Morte, entretanto regressada do Togo e naturalizada americana, faz a sua aparição final.
O filme terminará com uma citação do Eclesiastes ou, em alternativa, uma fotografia do peru enquanto jovem.

Turismo

Ao ler uma entrevista do sr. Henrique Moraes, responsável de uma agência de viagens, começo a amar os turistas. Há uns anos, passar férias no estrangeiro, na neve, nos trópicos, funcionava como factor de distinção social. Hoje, quem nunca molhou o cu em Varadero é um excluído cuja cotação social é ligeiramente superior à de arrumador de carros.

Fazer turismo deixou de ser um privilégio de uns happy few. E todos sabemos que a uma democratização corresponde sempre uma elitização. O sr. Henrique Moraes diz que prefere que lhe chamem viajante em vez de turista. Turismo é pimba. Turismo fazem os alemães de meia-idade à procura de sexo com adolescentes na Tailândia. Um viajante é diferente. Segundo o sr. Moraes, o viajante vai para fora para conhecer a alma dos autóctones, para descobrir culturas intactas.

Um autêntico programa de libertação do antropólogo que há em nós. No fundo, é um ritual de purificação através do qual, e a troco de cinco mil e tal euros, ocidentais de consciência pesada vão lavar as almas corrompidas pelo materialismo.

Conhecer a alma dos locais soa a esoterismo new age. Os locais como seres humanos puros, os bons selvagens que vivem no benigno desconhecimento de conceitos como especulação imobiliária e saneamento básico e cujas almas estão ali para serem esquadrinhadas em quinze dias.

O que o sr. Moraes oferece aos seus clientes é uma viagem aos quadros de Gauguin. Uma aventura de risco controlado finda a qual podem regressar, de alma lavada, ao stress, ao bidé e ao home cinema.

Por tudo isto, aconselho vivamente a nossa classe média a fazer turismo como antigamente: a comer lagosta em hotéis de quatro estrelas, rodeados de miséria e de prostitutos adolescentes esfomeados. Não procurem conhecer a alma dos autóctones. Deixem isso para os profissionais. Se conseguirem conhecer algum corpo local por menos de 20 dólares sem o bónus de uma doença venérea já valeu a pena a viagem.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Revistas

As únicas revistas masculinas que merecem respeito são as que, pela sua natureza explícita, não podemos ler no barco.

As outras, que se confundem com as revistas femininas e oferecem amostras de esfoliantes, perdem por querer agradar ao mecânico e ao metrossexual.

São uma espécie de Bárbara Guimarães, boazonas na capa e recensões aos livros do Ian McEwan no interior. E depois há as fotos “artísticas”. "Artísticas" no sentido Zalman King.
Eu proponho que façam recensões às mamas da Isabel Figueira e publiquem fotos “artísticas” de V. S. Naipaul. Um atrevimento. Iniciar um artigo assim: “As novas mamas de X são passíveis de provocar angústia da influência em muitas jovens” ou “Esta semana, Y vai lançar o novo corpo na Fnac do Chiado. O lançamento será precedido de uma introdução de Pedro Mexia, apesar de ser conhecida a preferência deste por outras letras do alfabeto.” Nas páginas centrais fotografias escandalosas de Salman Rushdie montado numa Yamaha.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Mais um de pés de barro...

Dez mitos sobre Che Guevara, de Alvaro Vargas Llosa.

(via o excelente Insurgente, mas que o confundiu com Mario Vargas Llosa)

Hoje, Frágil, 23.30


À terceira, cumpre-se o ditado. Desta é de vez. À terceira festa, os DJs do Quase Famosos sobem a colina até ao centro noctívago de Lisboa, acompanhados do seu fiel séquito de imitadores de Elvis Presley, sósias da Britney Spears, taxistas de Alfama, candidatos autárquicos, malabaristas de rua, magistrados em greve, domésticas entediadas, intelectuais de café, actores de revista e demais gente gira e diferente.Mais uma festa para toda a família, a pedido de muitas famílias, onde todo o amante da pop deste e de outros tempos se sentirá, como sempre, em casa.

A ler...

As Verdades de Cavaco, por Adolfo Mesquita Nunes, no excelente A Arte da Fuga.

terça-feira, outubro 11, 2005

Alemanha: milagres?

1.Certa vez, presenciei um milagre. Só por uma vez. Uma. Tinha ainda uma tenra idade. E quando vivemos esse tenros anos, temos sempre um fascínio qualquer com formigueiros. Eu, pelo menos, tinha. Gostava de ajudar as formigas. Para desespero da minha avó e dos meus primos: tudo o que era bolacha ia para os formigueiros do bairro. Criei, aposto, a raça de formigas mais roliça do mundo. E a ajuda não se ficava pelas bolachas. Também gostava de apanhar bicharocos. Gafanhotos, sobretudo. Gostava de atar um pequeno cordel às patinhas destes cangurus de rés-do-chão. Assim, ficavam à mercê das minhas amigas balofas.
Mas certa vez aconteceu o inesperado. O tal milagre. Um gafanhoto preso pela minha linha de coser meias passeou-se à porta do formigueiro da rua de baixo. Não aconteceu nada. O tipo ficou como estava. Não sei se aquele formigueiro estava ou não à mercê de febres budistas. O certo é que o gafanhoto não foi desmontado.
Guardei-o. E nunca mais toquei em gafanhotos. E aquela foi a primeira e última manifestação da existência de deus da minha curta vida.

2.Tudo isto para dizer que não há milagres. Muito menos em Política. Merkel enquanto líder de um governo do SPD. Isto faz-me lembrar o Leoncio (nome que dei à criatura acima descrita): está presa a uma inevitabilidade – novas eleições. E nessas próximas eleições, Merkel terá de falar verdade de sorriso na cara. Merkel não “perdeu” as últimas por falar verdade. “Perdeu” porque falou verdade com cara de caso.

3. Se Merkel conseguir cumprir este mandato por inteiro, então, terei descoberto o meu segundo gafanhoto.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Ricardo Coração de Leão












Parabéns!

O País e o Mundo

Beto esmurra Custódio no treino; 110 mil em Roma protestam contra Berlusconi; Chirac reúne-se com Blair; Chirac reúne-se com Berlusconi; O Liechtenstein perde com Portugal; Valentim Loureiro berra com os seus assessores por causa do microfone; Valentim berra durante quinze minutos em directo para todos os canais de Televisão; Felgueiras é da Fátima; Bloco e CDS têm ambos uma câmara no país inteiro; Prodi abraça-se a Bertinotti, líder dos comunistas, em plena piazza del popolo; Confirma-se: Carrilho é um "ganda ordinário"; Bárbara Guimarães perde as eleições para a Câmara de Lisboa; Luís Fazenda apela ao "rumo albanês" na noite eleitoral; Avelino diz que "Amarante nunca mais"; Isaltino "está que não pode"; Marques Mendes já pensa em São Bento; Sócrates arruma Carrilho, Soares "o infante" e Assis; Alegre é mais perigoso para Cavaco do que Soares; Cavaco avança; Cavaco não avança; Soares apela ao voto no filho à saída das urnas; Há "leis para Soares" e "leis para os outros"; Coelho não pede a demissão; Rio, Capucho, Seara e Encarnação são fruto da coligação PSD/CDS; Custódio põe processo a Beto; Peseiro não larga o tacho; Camacho não larga o tacho e o garrafão; Rui Tovar é transferido em 2005 do canal Memória para a RTP1; Gabriel Alves não gosta; Henrique Raposo só leu 14 livros este fim de semana; Marcelo Rebelo de Sousa ficou-se pelos 36; Na Alemanha, temos fumo branco: Merkel é chanceler; Schroeder terá mais tempo para o piling que planeava fazer.

domingo, outubro 09, 2005

Grande Malha


1.Acho que não passou nas nossas salas. Que tal uma estreia? Merece.

2. Solidão. Auto-destruição. Em espiral descendente. A música - notável - ajuda a criar uma atmosfera que é uma gigantesca espiral. Gigantesca e doentia. E Aronofsky não expulsa o espectador deste remoinho. Outro autor - mostrando o mesmo que Aronofsky mostra - ter-nos-ia causado nojo. Este prometedor Darren Aronofsky, ao invés, consegue levar-nos para o epicentro. Com muito trabalho. Técnico. Não basta ter bons actores e um texto “iluminado”.

3.A música, a montagem, os enquadramentos inesperados (por estarem quase dentro das personagens) criam um labirinto. E de lá não saímos. Requiem for a Dream é daqueles que não sai. Fica na pele. Não sei se é medo ou angústia, mas alguma coisa fica. Não é fácil esquecer 4 personagens que terminam a pedir colo. Ou a pedir para nascer outra vez...

sábado, outubro 08, 2005

"Ónus da Prova"

Essencial: Helena Matos, Público de hoje - "Ónus da Prova". Sobre o jacobinismo que ainda habita esta III República.

Iraque: por José Lamego

Ler, com muita atenção, a entrevista de José Lamego ao DNA de ontem.

«O problema do Iraque não é o de ter democracia, é o de não ter Estado».

Lamego tem razão. Os ocidentais já se esqueceram de uma coisa: por detrás da luminosidade dos iluminismos encontramos sempre – como pilar indiscutível – o negrume de Maquiavel e Hobbes. Os americanos são os reis deste esquecimento. Vivem literalmente em cima de Hobbes (1787 é uma Constituição céptica e minimalista; como devem ser as constituições), mas, depois, quando se exportam, utilizam o sorriso luminoso de Jefferson. Por outras palavras, começam a casa pelo telhado. Lição do Iraque: se queremos construir um estado demo-liberal, temos de começar por exportar Hobbes. Está o Ocidente dos luminosos direitos humanos – e aqui não é só a América – preparado para enfrentar a realidade? Está o Ocidente do politicamente correcto preparado para entender (melhor: para redescobrir) que os nossos direitos assentam no cepticismo de Hobbes?

Para desfazer os mitos de Huntington


sexta-feira, outubro 07, 2005

Críticas

Leio as críticas literárias no Esplanar e pergunto-me: João Pedro George será o pseudónimo de um processador de texto, mais concretamente das funções “Contar Palavras” e “Localizar”?

Sondagens

Pedro Magalhães, no Margens de Erro, ajuda-nos a perceber as últimas sondagens. O DN, agora dirigido pelo conversador privilegiado do Dr. Soares, António José Teixeira, apresenta números novos e surpreendentes. Porque será?

Prospect

Aqui ficam os meus eleitos: Robert Cooper, Niall Ferguson, Paul Wolfowitz, Fareed Zakaria e Timothy Garton Ash.

quinta-feira, outubro 06, 2005

Os intelectuais públicos do XXI


A Prospect lança uma votação engraçada: a partir de uma lista de 100 intelectuais públicos, pede ao leitor para escolher os seus 5 de ouro. Ver aqui.

Aqui ficam as minhas humildes escolhas: o imbatível Fareed Zakaria, o polémico Niall Ferguson, o certeiro Robert Cooper, o brilhante Michael Ignatieff e a grande Ayaan Hirsi Ali (foto), a mulher que mais tem feito contra a bárbarie do multiculturalismo.

TURQUIA: o que é o Ocidente? Cultura ou Civilização?

Sobre o assunto Turquia, Francisco Dias Costa escreve aqui na caixa de comentários:

“Admito que em algumas das principais cidades, caso de Istambul ou Ankara, se note alguma semelhança com a Europa (possivelmente apenas uma pequena camada superficial e imposta), mas no grosso da população e dos costumes à muito pouco de europeu, e dificilmente existirá algo”

Caro Francisco,

1.Em primeiro lugar, obrigado pela extensão e delicadeza do comment. Estou habituado a uma espécie mais agressiva: o anónimo que vomita o seu ódio. E, como pode calcular, não gosto nada de servir de babete. Por isso, obrigado por cordialidade civilizada.

2.Vamos lá à Turquia. V. fala de costumes, de cultura, de tradição, dum “mundo diferente”. Bom, tenho-lhe a dizer que os costumes não devem interessar enquanto factor de decisão política. Pelo menos, neste caso. O que deve contar não é a Cultura mas a Instituição política, a Constituição, a Lei. O que me interessa é a Sociedade e não a Comunidade. O que deve ser vital é a Civilização e não a Cultura. O que é o Ocidente? O que deve representar a Europa? A meu ver, não deve representar nem a religião nem a dita cultura. A Europa, o Ocidente devem simbolizar a vigência das instituições da democracia representativa. Se a Turquia cumprir estes critérios político-institucionais, deve entrar na UE. Se Istambul respeitar o chamado estado de direito, então, é tão europeia como Portugal.
E a religião nunca deve contar. Em qualquer cenário, o cristianismo não deve pesar em decisões políticas. Se os europeus tiverem em linha de conta a Cruz, então, a Europa abrirá, em definitivo, as portas à Reacção. E, atenção, não estou a ser jacobino. Isto não é ódio à Igreja. É, isso sim, isolar os critérios políticos fundamentais do século XXI.

3. Onde acaba a Europa? Esta é uma pergunta que me causa arrepios. Como se um critério geográfico completamente arbitrário pudesse encobrir critérios políticos qualitativos. Como se um risco no mapa, desenhado para os mapas que temos nas escolas primários, pudesse pesar numa decisão geo-política e ideológica de primeira grandeza.

4. História? Uhh… Vejamos. Nunca fui à Turquia. Nunca fui à Finlândia. Agora, pergunto-lhe: em que país um algarvio ou um siciliano se sentiria mais à vontade? Aposto que a resposta seria a Turquia. Temos sangue e tradições árabe na nossa dita cultura. Desde os nomes (Algarve) até aos tomates. Aposto que não há tomates na Finlândia. (entenda-se tomates como a cultura agrícola do tomate, uma herança árabe).

5.História? O Império Otomano, durante a Idade Moderna, dava lições de tolerância aos estados europeus. Quando os judeus eram expulsos de cidades na Europa continental, encontravam refúgio em outras três grandes cidades europeias: Londres, Amesterdão e... Istambul.

Um abraço e, mais uma vez, muito obrigado pela cordialidade,
Henrique Raposo

quarta-feira, outubro 05, 2005

Três almas para um corpo europeu

Neste momento de impasse, a Europa hesita entre três concepções de política externa:

(1) A concepção francesa: um mundo multipolar. Os franceses são incapazes de sair no cliché do realismo puro. E, aqui, a influência nem sequer é 1789. A grande matriz é Richelieu. É Talleyrand. É o velho cinismo. É o aristocrático secretismo palaciano. Parece que os franceses ainda não perceberam que vivemos, aqui no Ocidente, num mundo constitucional e democrático. Por isso, não vêem problemas numa aliança com a Rússia e com a China, desde que isso possibilite o contrabalançar do poder americano. Perigosa concepção (a França está a brincar numa categoria que não é a sua). Infame concepção (a França coloca uma lógica de Poder puro acima dos laços demo-liberais).

(2) A concepção alemã: uma jurisdição universal. A tese dos Habermas. O velho monismo germânico projecta-se, desta vez, no mundo inteiro. Os alemães continuam a pensar que existe um único princípio com a capacidade de ordenar a pluralidade conflituosa do mundo. O eterno problema da Alemanha.
Mais: como é que essa jurisdição universal, baseada na ONU, poderia ser implementada no terreno? Ora, só há direito positivo quando existe um Leviatã. Portanto, na sombra da Utopia, encontramos o sonho do estado mundial...

(3) A concepção britânica: uma Europa constituída por democracias liberais (já com a Turquia), em aliança directa com os EUA, Austrália, Canadá, Índia, África do Sul, Chile, Brasil, México, Japão, Filipinas. Uma aliança na defesa dos valores do cosmopolitismo.

Piedade, III


Gonçalo, quando o AXN estiver a chantagear o mundo com o Cobra (Stallone de palito na boca... Ah, anos oitenta), eu estarei novamento com Deus. Um Deus italiano. Os italianos, a par dos americanos, fizeram o melhor cinema no XX.

Piedade, II


Gonçalo, felizmente a tecnologia capitalista criou uma coisa fabulosa: o DVD. Hoje, enquanto o Hollywood chantageava o mundo, estive com Deus. No final, acabamos mesmo por pedir piedade.

Piedade


Aviso ao espírito diabólico que, há dez anos por esta parte, mantém o mundo refém com a transmissão interrupta do Passageiro 57 no canal Hollywood:

O Mundo rende-se!