Durante o meu debate com o Henrique choveram mais comentários do que perguntas para o consultório sentimental da “Ana + Atrevida”.
Peço desculpa aos meus caros leitores se não sou tão lesto quanto o meu camarada Henrique nas respostas. Mas como já tive oportunidade de dizer ao Camarada Santos, isto agora com o Verão tem de se dar algum desconto. Vamos então por pontos:
1- Caro João Galamba, sinta-se à vontade para intervir quando quiser. Não estará, de todo, a intrometer-se no debate, mas a participar nele, o que só pode ser saudável. De facto, a minha citação de Burke, apesar de não ter sido aleatória, cumpria o desígnio maior de chatear o “Burkemaníaco”, camarada Henrique. Já que ele se remeteu a um silêncio comprometedor e nada revanchista (sim, Henrique estou a picar-te!), devo dizer que concordo plenamente com a sua observação. Nunca pretendi fazer o conceito preceder a prática. Isso é um paradigma por demais óbvio e incontestável. A citação completa seria esta:
“MR. LOCKE has somewhere observed, with his usual sagacity, that most general words, those belonging to virtue and vice, good and evil, especially, are taught before the particular modes of action to which they belong are presented to the mind; and with them, the love of the one, and the abhorrence of the other; for the minds of children are so ductile, that a nurse, or any person about a child, by seeming pleased or displeased with anything, or even any word, may give the disposition of the child a similar turn. When, afterwards the several occurrences in life come to be applied to these words, and that which is pleasant often appears under the name of evil; and what is disagreeable to nature is called good and virtuous; a strange confusion of ideas and affections arises in the minds of many; and an appearance of no small contradiction between their notions and their actions.”( A Philosophical Inquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful)
A minha interpretação pessoal, encara com uma certa maleabilidade a ideia de uma atmosfera cognitiva geral. Não tanto a precedência do conceito particular à prática, mas a compartimentação da prática dentro de um conceito lato, subdividido entre a essência ética da realidade e seus paralelos.
Ao contrário de Alasdair MacIntyre (muito obrigado pela referência) que apenas conheço a partir de
aqui e de uma velhinha análise do Marxismo das estantes do meu pai, a minha relação com Taylor remonta à minha descoberta do seu para-comunitarismo durante um texto que escrevi sobre a integração e salvaguarda da essência identitária da comunidade italiana na sociedade americana do início do século XX, durante o qual o citei sem escrúpulos (penso que também o Henrique já o mencionou algures no Sinédrio ou no Acidental).
2-Caro Ma Tin Long, peço desculpa se a sua menção a Richard Falk não irá suscitar debates como o que o que em tempos tivemos nestas páginas virtuais. O Falk que eu conheço do
The Nation poderá ter um argumento interessante em relação há recorrência cíclica de vectores históricos (como
aqui ou
aqui), que constitui a premissa essencial da sua análise crítica, mas nunca o suficiente original ou interessante para me incitar ao debate.
Better luck next time...
3-Caro Santos, quanto à questão dos “nativos americanos”, devo-lhe dizer que também me surpreende a relativa ausência de um profícuo debate académico. Ainda assim, nos últimos anos, algumas obras têm aparecido. Como em tudo, há o
ridículo, o
razoável/bom e o
superior (aliás, bastante recomendável). É obvio que como diz, "a exterminação que os "americanos" fizeram dos "nativos americanos", conhecidos como Ameríndios”, não deverá ficar esquecida.
Ainda assim, devo notar um facto paradigmático. Se a relação colonos/nativos, começou com base na diferença racial, cedo evolui para uma base de disputa territorial, onde o conceito racial era um dado adicional dentro da vasta ideia de “fronteira”, para mais tarde recuperar a sua base identitária racial com a circunscrição territorial com base em etnias/tribos.
Hoje o nativo americano faz também parte do rendilhado mitológico de americana, mas a sua progressão desde a infância do imaginário americano até ao nosso quotidiano conheceu uma metamorfose curiosa: da curiosidade à inferioridade/ da inferioridade ao estatuto particular de “inimigo” (muito dependente da tribo em questão, se colaborante ou pacífica a “inferioridade” continua em efeito)/ de inimigo a derrotado, territorialmente circunscrito e parcialmente dizimado/ de derrotado circunscrito/dizimado a ícone americano/ e progressivamente, de ícone a minoria étnica.
E isto é absolutamente original numa relação colonizador-colono-colonizado.
Devo, no entanto, ressalvar que no que eu escrevo é fácil encontrar Doyle, Gaddis, Zakaria, Baker, Conquest, Nau, Fergusson, Cooper, Locke, Keohane, Sikkink, Wendt , Walt ou Mearsheimer, bem como qualquer outro volume, leve ou pesado, em que já tenha tocado. O argumento de cada um é composto por uma amálgama coerciva ou voluntária de bibliografia acumulada, mas se cada obra compila o discernimento, devo dizer que é a realidade e a percepção desta que molda o seu argumento.
Enquanto o argumento intelectual transcorre no ambiente asséptico das páginas de uma obra, só a realidade poderá comprovar a sua validade e interesse. Talvez devido à minha formação em História, aprendi a dar especial ênfase ao acto e à execução prática da ideologia ou do vector filosófico ou à sua evidente carência.
Meus caros, só Baudelaire ou Al Berto sobrevivem no papel.